Prólogo
Talvez possa parecer irreal, pura ficção, mas não há como negar que não tenha sido uma história triste...
Tudo começou com a simples descoberta de uma gravidez...
— O QUÊ!? GRÁVIDA DE 6 MESES, EVELYN!? – um homem gritava de dentro de uma enorme mansão escocesa.
Aquela não era uma simples mansão de uma família rica. Era a mansão dos Malfoy, a família mais respeitada na região, com séculos de tradição e bom nome. Controlavam a maior parte das terras da região, com casas de veraneio em vários lugares do Reino Unido. Tinham os melhores negócios, mas sempre mantendo a imagem sóbria e respeitável. E isso, às vezes, requer certa rigidez com os filhos...
— Mas, pai! Eu o amo, por que é tão difícil de entender!?! – falava a voz fina de uma jovem de seus 21 anos. Falava alto, mas não estava berrando.
— Por que é tão difícil de entender que deve seguir as tradições da família? – ele retrucava na mesma altura, caminhando de um lado para o outro do amplo espaço do Hall de Entrada, passando a mão freneticamente pelos cabelos. Falava com sua filha como se um de seus funcionários houvesse feito algo terrivelmente errado e agora estava se decidindo se seria demitido ou não e como solucionar o problema, que por sinal, era muito grave.
Ao redor, formando um semi-círculo, vários membros da família estavam reunidos, apenas observando a cena.
— Isso requer medidas drásticas. – o pai declarou após um tempo, enquanto seu peito subia e descia freneticamente – Você vai abortar essa criança, Evelyn, vai abortar. – o pai já estava completamente descabelado, de tanto que ele mexia neles, pensando como poderia abafar os boatos que percorriam pelo vilarejo próximo. Seria um escândalo! Toda a imagem da família iria ser manchada por um ato imprudente e rebelde!
— NÃO! – a jovem parecia horrorizada, o que não ocorria com o resto da família, que tinha um olhar de repugnância quanto a ela.
— Ou isso, ou sairá de casa, sem nunca mais voltar! – disse, firmemente.
Momento de completo silêncio.
A cena havia quase paralisado.
Na parte central do meio círculo produzido pelos membros da família encontrava-se em pé a jovem acusada. Seu corpo magro e diminuto de pele muito branca tremia minimamente pela recente ameaça de seu pai. Os cabelos loiros e lisos caíam por seus ombros e emolduravam seu rosto que mantinha expressões incrédulas. Os olhos castanhos-escuros transpareciam toda a perplexidade ao encarar o pai que parara logo em frente à ela com uma fúria jamais vista.
A íris metálica perfurava a filha insolente que tivera a ousadia de desobedecer suas claras ordens. O queixo afinalado mantinha-se levemente erguido, para tornar sua aura aristocrática mais altiva. Percebia-se por trás do terno que normalmente usava os músculos tensos e seus punhos fechados. Os cabelos loiros do pai estavam despenteados, conseqüência do uso constante do gel e, até poucos segundos antes, não parar de bagunça-los com as mãos.
Dentre os membros familiares também se encontrava a mãe, praticamente na primeira “fila”, assistindo ao episódio onde sua própria filha estava envolvida, numa postura desdenhosa, de braços cruzados, apenas parecendo aborrecida pela demora com que aquele episódio estava demorando. Seus cabelos também loiros emolduravam as calmas expressões de indiferença, expressadas com mais intensidade pelos olhos azulados.
E aquele silêncio durou por um longo tempo... os parentes logo atrás, dentre eles, primos, mãe, irmãos, tios e avós, apenas observavam a cena. Alguns, principalmente os mais velhos, olhavam com desprezo para a garota, julgando-a sem piedade, como se fosse uma empregada que tivesse lavado mal um talher de prata. Merecia estar ali, em frente à porta. Uma indigna. As crianças estavam confusas e não sabiam por que toda aquela reunião ali, nem porque de toda aquela tensão.
Por fim, a acusada decidiu se pronunciar e quebrar o silêncio instalado em cada parede e fresta.
— Deixe-me pensar. – foi tudo o que pediu, numa voz trêmula, mas não o suficiente para gaguejar.
— Até amanhã, Evelyn. Ou abortar, ou ir para fora de casa. – seu olhar era carregado, enquanto a encarava, dando uma pequena pausa significativa antes de continuar – E nunca mais fazer parte desta família. – o pai parecia irredutível, enquanto simplesmente passava por ela, caminhando para dentro de casa, batendo as portas em seu caminho.
Em poucos segundos todos já se dispersavam, pois o espetáculo havia terminado. Assim que Evelyn achou-se abandonada, quando os passos desapareceram na distância, deixou-se cair sentada de pernas dobradas sobre o frio e branco mármore do piso. De seus olhos, cortando sua face ainda paralisada pelo ultimato do pai, percorria lágrimas causadas ainda pelo choque da situação humilhante.
As gotas quentes caiam sobre a palma de suas mãos que encontrava-se a centímetros de seu rosto paralisado. O chão não existia. Sentia-se completamente desamparada.
Ouviu alguns passos ao seu lado, assustando-a, virando rapidamente para encarar a pessoa que ainda sobrara para ver os pedaços que restara de si mesma. A mãe aproximava-se com um olhar inexpressivo, beirando um pouco ao desprezo. Quando achou-se próxima o suficiente, desviara o olhar com certo desgosto enquanto murmurava, para que só ela ouvisse.
— Eu avisei, Evelyn, mas você fez o que bem quis. O que você acha que aquele gringo moribundo pode fazer por você agora, carregando uma criança imunda, se pouco e mal consegue se sustentar? Ainda prefere o seu “grande” amor, ou a família que vai ampará-la?
Logo depois, sem adquirir qualquer resposta, afastou-se, deixando-a finalmente só.
Chorou por mais alguns minutos, quando arranjou forças suficientes para levantar-se do chão, começando a caminhar cambaleante pelos corredores longos da mansão, sem olhar para nada. Seus passos iam automaticamente para o seu quarto, sem que ela precisasse pensar, pois sua mente estava muito ocupada. “Ainda prefere o seu “grande” amor, ou a família que vai ampará-la?”, repetia a voz de sua mãe em sua mente, com aquele tom frio. Uma das mãos estava sobre o ventre, este já mais avantajado, enquanto a outra se apoiava na parede e nos móveis que se encontravam no meio do longo corredor, escorando-se e ajudando-a a caminhar até o seu destino. Tudo não passava de um borrão de cores sem sentido, como nas pinturas impressionistas do século XIX.
O quarto branco, o leito branco... embaçado, parecia que era tudo a mesma coisa, enquanto ela tateava a procura deles. Por sorte, o dossel de sua cama era feito de mogno escuro e deu para distingui-lo de toda a brancura. E assim que se deitou na cama, colocou-se a chorar com tanta vontade quanto podia, suas mãos procurando algo onde segurar, achando o travesseiro, que abraçou o mais fortemente possível, enterrando seu rosto no tecido fofo e imparcial. E ficou trancada em seu próprio quarto durante horas, em um choro interminável.
Mas, finalmente, acalmou-se e suas lágrimas cessaram de cair.
Não podia perder tempo chorando quando a vida de seu filho corria perigo e sabia que seu pai era muito rigoroso. Se havia prometido que deveria ter a resposta no dia seguinte, assim ela teria de ter. Mas nenhuma das opções era a que desejava.
Não queria que morresse, sem nem mesmo ter tido a chance de viver. Era o sonho da sua vida com a pessoa que amava, mas tinha que pensar racionalmente que seu amado, por maior que fosse seu bom coração, não poderia dar tudo para ambos. Talvez até piorasse a já precária vida que ele levava por sua causa. Seria muito injusto.
Nascer na rua, parecia tão improvável sua sobrevivência quanto a um aborto. Sabia que se escolhesse isso, seu pai a botaria para fora de casa sem nunca mais olhar para trás, o que ocasionaria ter de fazer o parto em condições extremamente precárias com altíssimas chances de morrer no ato de conceber seu filho. Sozinho, que chances teria? Sabia perfeitamente que o mundo não era tão cor de rosa.
Por fim, percebeu que ela não queria escolher entre seu amado e a família... ela queria escolher aquela que tivesse mais chance de seu filho sobreviver. Ter uma chance de viver, conhecer a vida. Queria, apenas, que seu filho nascesse e crescesse.
Adormeceu, apenas rezando para que algum milagre caísse do céu.
No dia seguinte, o pai e a mãe foram ao quarto dela, saber finalmente a decisão que ela havia tomado. Ela estava deitada na cama encarando o teto, desamparada, voltando os olhos para os recentes invasores de seu quarto. Sentou-se na cama, sua barriga ficando mais a vista, o pai adquirindo uma expressão de repulsa ao observá-la.
— Então, o que escolheu? – perguntou logo o pai, com seu normal tom duro, mas agora acentuado pela raiva de saber que a filha estava desobedecendo-o quando a proibiu de ver o estrangeiro.
— Eu queria pedir que deixassem meu filho viver. – ela falou com uma voz baixa e minimamente trêmula, com a cabeça abaixando levemente, desviando os olhos de seu pai. Ela sabia que aquele pedido não ia sair de graça... ia ter condições. Condições severas.
— Então, quer sair de casa? – ele falou de modo agressivo, sua voz saindo levemente tremida, como se controlando para não gritar.
— Não... exatamente. Apenas quero que deixem meu filho viver. Ter abrigo e comida. Não me importo de viver na rua, mas deixem meu filho aqui. – ela então ergueu os olhos na direção do pai, novamente, lembrando-se o real porquê de estar pedindo aquilo, seu olhar parecia realmente decidido. Ela sabia que poderia ser um pedido jogado ao léu.
— O quê? Criar essa vergonha que você carrega na barriga? Você está pedindo isso, Evelyn? – ele falou com o lábio inferior trêmulo, com nojo, como se ela estivesse pedindo para ele se atirar num mar de lixo.
— Sim. Por favor, pai... eu imploro, dê abrigo e comida para o meu filho. – ela implorava, levantando-se e já indo se aproximar do pai.
Mas este a rejeitou, como se fosse uma pessoa com uma doença contagiosa e sem cura. Ela paralisou, sentindo-se partir em pedaços com a rejeição tão abrupta do pai. Deu alguns passos para trás. Tudo que tinha sobrado de família agora carregava em sua barriga.
— Então... prefere perder o nome Malfoy, a matar essa coisa vergonhosa que carrega? – ele falou com desprezo, olhando-a, as narinas alargadas, os músculos do ombro tensos.
— Qualquer coisa, para deixar meu filho viver. – ela falou com convicção, quase como se para afirmar a sua posição de renegada.
O sr Malfoy olhou para sua esposa, assim que ela tocou-lhe levemente o braço, para chamar-lhe a atenção. Estava de cabeça baixa, os olhos fechados. Tinha uma expressão de pena, como se tivesse que acatar a teimosia de um filho rebelde para que este aprendesse que aquele era o caminho errado a seguir. Ela fez uma leve pressão no braço do marido, indicando para saírem do quarto. Ao saírem, a mãe fechou a porta, encarando o marido com um olhar estranho, provavelmente queria falar alguma coisa, mas sem que a filha soubesse.
— Vamos fazer o último desejo dela. – ela disse com simplicidade.
— O quê? – ele exclamou, confuso e indignado, mas, ao mesmo tempo, baixo.
— Vamos criar essa criança. Mas vamos impor algumas regras... provavelmente apenas assim Evelyn vai acatá-las. Talvez ela possa até começar a seguir as tradições da família. – ela disse de um modo seco e frio. Ela não se importava com a criança e sim com a filha e a reputação da família.
— Pode ser um bom modo para fazê-la entrar na linha... mas como vamos esconder essa criança? Se descobrirem que ela não foi abortada? Que ela vive sob o nosso teto? – o pai parecia preocupado ainda com a aparência da família.
— Vamos trancá-la dentro da mansão... podemos deixá-la em algum lugar... algum quarto, porão, sótão... quando vier visitas, nós a trancamos nele até que vão embora. Mas nunca deixá-la sair da mansão. – sibilava, com indiferença, como se aquilo fosse uma conseqüência óbvia.
— Hum... você tem certeza disso? Não que seja uma má-ideia... mas tem uma certa possibilidade de descobrirem essa vergonha. – comentou o pai, pensativo.
— Não se preocupe, eu mesma cuidarei para que isso não aconteça. – ela disse, com uma expressão, que não se definia ao certo, entre um ar maroto ou maldoso e sorrindo, mostrando os dentes brancos e vazios. – Vou falar com ela. Começarei a cuidar disso desde agora. – ela então adentrou novamente o quarto da filha, antes do marido falar alguma coisa e fechando a porta.
Evelyn estava já deitada, com um ar entristecido ainda, enquanto olhava para a parede. A mãe foi até a cama, sentando-se, encarando a filha que lentamente focou seu olhar na mãe sentada logo a sua frente.
— Nós conversamos sobre isso, Evelyn. – ela começou calmamente. A filha continuou em silêncio, encarando-a impassível. Havia marcas em seu rosto do choro interminável do dia anterior. Do sofrimento. Olheiras, denunciando a noite mal-dormida. – E decidimos que você pode deixar seu filho aqui.
— Obrigada. – ela disse baixo, mas continuou a olhá-la. Sabia que ela não ia fazer isso simplesmente sem levar nada em troca.
— Mas... tem algumas condições. – a mãe começou, logo se ajeitando para melhor ver a filha. – A primeira é que você vai morar em uma casa de veraneio, longe daqui. – ela esperou a filha concordar, o que não demorou demais. Apenas o tempo de passar o pequeno choque. – A segunda é que ele não será parte da família, então, será apenas como parte do patrimônio Malfoy. – finalizou, com um olhar gélido e calmo repousado sobre o ventre da filha.
— Patrimônio... Malfoy... – a filha disse num sussurro. O que fariam com ele? Lentamente começava a temer pelo futuro de seu filho naquela mansão, mas ela ainda tinha o consolo de que ele teria um futuro.
E ela não iria conseguir saber, simplesmente porque estaria sendo obrigada a morar numa casa de veraneio.
— Isso. Quando a criança nascer, você irá logo em seguida para a casa de veraneio. Então, diga o nome que deseja, caso for homem e caso for mulher. – havia um ar tão displicente em sua voz, como se estivesse decidindo que toalha colocar na mesa na próxima janta e não decidindo o futuro de uma criança e de sua própria filha. Ela também se levantava já, como se o caso já estivesse para ser encerrado e mais nada seria dito depois.
— O... o... quê!? – Evelyn estava agora perplexa... não deixariam nem que vissem uma única vez seu filho. – Mas...
— Você não disse que faria qualquer coisa por essa criança? – a mãe falou, num tom duro, observando-a de cima para baixo, seus olhos pareciam aço. Completamente inflexível.
A íris castanha ficou completamente visível, enquanto arregalava os olhos a essa declaração, sentindo suas pálpebras umedecerem rapidamente.
— S-sim, mas quero pegar meu filho nos braços ao menos uma vez! – ela disse completamente sem chão. Seus lábios tremiam levemente, o coração em um ritmo alucinante. Sua mente não queria aceitar que nunca teria nem mesmo uma chance de ver ou tocar em seu próprio filho.
— Ou você vai fazer isso, ou seu filho vai nascer na rua ou nascer morto. – havia um tom de descaso em sua voz, afinal, já havia colocado todas as suas condições. A escolha disso dependia da própria filha. Era uma questão de aceitar a terceira escolha que estava lhe oferecendo.
No entanto, para Evelyn, era uma frieza tão implacável, tão cruel... e o seu coração, já ferido pelo dia anterior, feriu-se ainda mais profundamente e, novamente, as lágrimas começaram a rolar por seu rosto.
E ainda soluçando minimamente, contendo-se o melhor possível, respondeu com uma voz tremida:
— Sebastian... se for menino. Hermione... se for menina. Granger, o sobrenome do pai. – havia omitido o nome Malfoy... e fora premeditado. Seu filho não pertencia àquela família. Era ainda um pouco da sua rebeldia. E, se a situação não fosse tão crítica, ela ficaria feliz de que ele realmente não fosse um membro.
— Muito bem. – ela disse, dando as costas à filha, caminhando em direção à porta, saindo do quarto.
E talvez se ela não estivesse determinada a deixar seu filho nascer, ela não teria agüentado aqueles três meses de pura exclusão, onde seu único consolo era conversar com a pequena vida que crescia dentro de si. Recebia a comida no quarto, através das empregadas e apenas uma delas ficava dentro dele, caso ela tivesse algum desejo. Mas o único desejo mais ardente que ela tinha era de que o filho nascesse.
No dia das contrações, um carro já a esperava na porta da mansão. As mulheres fizeram o parto completamente caseiro, sem muitos recursos, mas o suficiente para que a nova criança que nascia pudesse sobreviver e a mãe também. E, como a mãe havia insinuado naquele dia, Evelyn não tivera a chance de ver seu próprio filho, que foi retirado da sala rapidamente. Foi levada de maca para o carro que estava estacionado, sendo finalmente separada do filho. Talvez eternamente...