Aposentos da Profª de Feitiços - Katerina Blazek

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Aposentos da Profª de Feitiços - Katerina Blazek

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Aposentos da Profª de Feitiços

***
Professor Vigente: Katerina Blazek
Desde a última troca de cargo, a sala do professor de Feitiços havia mudado o suficiente para ser o mais novo assunto corrente entre os alunos menos corajosos da escola.

Os aposentos da Dra. Katerina Blazek eram a tradução visual de "horripilante". Uma ante-sala nada agradável exibia para seus visitantes prateleiras repletas de objetos misteriosos, equipamentos médicos seculares, ervas em vasos e frascos de vidro contendo as mais grotescas partes da anatomia humana e animal. Acima de uma escrivaninha apinhada de papéis, na parede, repousava um quadro de uma matrona ruiva de aspecto severo, intitulado bizarramente de "O Sorriso da Sra. Patterson-Blazek". A visão mais tranqüila do recinto era uma estante suportando livros em línguas ilegíveis, metodicamente separados em ordem alfabética por autor - fato previsível, vindo de alguém tão regrado quanto a professora de feitiços.

Atravessando um cortinado de veludo azul-escuro, podia-se obter entrada a áreas mais íntimas. O quarto particular era escuro e especialmente frio por conta de encantamentos, a fim de dar sentido à decoração local. Havia peles de animais árticos por toda parte - no tapete de urso, sobre a cama, nas paredes...uma lareira rústica dava ao ambiente um timbre de cabana siberiana. Objetos pessoais se espalhavam pela cômoda, muitos deles visivelmente de origem eslava. Ao lado da confortável e espaçosa cama, pendia do teto uma gaiola vistosa, aonde Sokol - o desconfiado aluco da doutora - vinha se refugiar quando se enfastiava do corujal. Um outro quadro notoriamente se sobressaia acima dos apetrechos no aparador da lareira, por abrigar um cientista de feições muitíssimo parecidas com as da professora vigente. O "Dr. Blazek em escritório" não era muito mais amigável que a mulher na ante-sala - o que, talvez, fosse o motivo de ambos terem sido afastados.

O acesso aos aposentos da professora, assim como a muitas de suas propriedades pessoais, era restrito. Uma estátua de Baba Yaga - a terrível bruxa folclórica do leste europeu - fazia o papel de porteira na entrada. Como na lenda, aqueles com intenções puras seriam bem-guiados pela velha, coisa que já não se podia garantir aos mal-intencionados...
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Katerina B.
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Re: Aposentos da Profª de Feitiços - Katerina Blazek

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    Os passos macios no corredor não produziam eco qualquer, de modo que Baba Yaga não se pôs em estado de alerta. A estátua continuou macabramente sentada sobre seu almofariz e sustendando sua eterna carranca. Se fosse Blazek, aquele seria um caminhar duro e ruidoso, quase como uma marcha de soldado. Se fosse um aluno qualquer perdido, deveria ser ignorado até que apresentasse perigo real para a privacidade dos aposentos que Baba protegia. No entanto a voz que veio sussurrar - sussurrar? - em seu ouvido era sem sombra de dúvidas a voz de sua mestra:

    - Ježibaba, přinesl jsem kosti.¹ - e aquela era, também sem sombra de dúvidas, a senha que liberava a entrada.

    Os olhos cegos da bruxa de pedra se encheram de fogo e a tranca da porta fez um clique bastante sugestivo. Era a Dra. Katerina Blazek - por quem a estátua esperara meses - que agora retornava aos aposentos. Mas estava tão silenciosa...que acontecera com os modos extravagantes e autoritários da mestra? Baba Yaga não obteve nenhuma resposta, senão o som da porta sendo fechada com extremo cuidado.

    Todo esse cuidado, no entanto, tinha uma motivação especial por parte da professora de Feitiços, que rastejou para dentro do quarto completamente escuro e quieto. Uma cobra não teria sido tão discreta quanto ela ao se deslocar dentro do negror desconfortável do recinto, que fazia Katerina sentir-se mais invasora do que efetivamente a dona dos aposentos privados. Preparou-se para acender um Lumus nos próximos centímetros, quando alcançasse com seus passos suaves o quarto - sua salvação. Empunhou a varinha. Faltava pouco agora...

    De súbito, acenderam-se duas tochas nos lados do quadro da mulher ruiva, sublinhando sua expressão terrível e colérica. O inesperado fez com que a professora tropeçasse nos pés da cadeira da escrivaninha e caísse sentada sobre ela, desajeitada. Fitava o retrato furioso com olhos arregalados e ombros encolhidos, atônita e acuada como jamais na presença autoritária de qualquer pessoa - quanto mais de um quadro. Afinal, de nada adiantavam suas tentativas de passar despercebida por aquela mulher, não importava se tivesse quatro, cinco ou vinte e cinco anos.


    - Kitty, - a pintura quase gritava. Parecia mais uma herdeira implacável do trono inglês, com seus cabelos ruivos eriçados e vestimentas exageradas - eu exijo que me responda agora: onde você esteve esse tempo todo?

    Katerina se recuperava progressivamente do susto, enquanto o retrato a fitava numa expectativa indócil. O medo infantil em seu rosto logo deu espaço a um sorguer de seu nariz arrogante, e Blazek enfrentou-a com todas as armas que o desprezo em seu rosto poderia oferecer, levantando-se da cadeira num salto fluido.

    - Agora não, matka². - foi esnobe ao dispensá-la e ergueu sua varinha num floreio desleixado. - Lumus.

    A luz inundou todo o recinto num átimo de segundo. Soberana de si - e agora invertendo as posições -, Blazek encaminhou-se para deixar a ante-sala. Já o quadro vibrava em seus pregos, e a impressão que se tinha era de que a mulher a qualquer instante saltaria de dentro da moldura sobre a professora. A ruiva seguiu-a até os limites do quadro, desesperada em seus gestos. Katerina se afastava como se nem a enxergasse.

    - Por favor, me escute! - exasperou-se o retrato. - Uma vez na vida, me escute! Você vai se dar muito mal se continuar fazendo tudo o que seu pai te diz pra fazer.

    Ela girou nos calcanhares, rápida feito um raio, assustando a outra. Tinha as faces enrubescidas e o peito se inflou tanto quanto podia:

    - Oh, então agora você está preocupada comigo? - vertia sarcasmo em cada uma das palavras que praticamente eram cuspidas de sua boca torta de crueldade. - Que bonito! Que materno! - o tom de sua voz elevou-se perigosamente, carregado de sotaque eslavo - Quem sabe, se você tivesse se preocupado comigo na hora certa - ao invés de simplesmente nos abandonar em Praha -, eu não estaria toda encrencada! - o quadro entreabriu os lábios para responder, mas Katerina foi mais rápida. Um movimento impaciente de sua varinha calou-a. - Silencio!

    Poderia muito bem ter sido "cale a sua boca", mas foi apenas um feitiço - e muito mais eficaz que qualquer ordem desbocada. Com o rosto febril, a professora saiu dali como que em fuga. Sem olhar para trás, ela afastou o cortinado de veludo que dividia seu quarto com um gesto brusco. Encontrou ali uma visão que a atordoou ainda mais: poeira por toda parte, folhas secas no chão e sobre a cama, partes de pequenos roedores asquerosamente jogados entre seus porta-retratos, e um cheiro forte e almiscarado que tinha origem na gaiola suja onde Sokol dormia tranquilamente.

    - Você demorou. - a voz inexpressiva veio do quadro sobre a lareira. O homem dentro dele olhava para o aparador empoeirado com uma cara recriminante de asco muito semelhante a que às vezes Katerina fazia - Sua mãe está gritando desde que o último silencio expirou, e isso faz...bem, um mês. Os elfos domésticos até começaram a achar que seu quarto estava assombrado por alguma espécie de fantasma maligno, e então nunca mais vieram aqui.

    Mas a bruxa não deu atenção ao retrato e continuou fixa na sujeira que dominava seu quarto. Cobriu o nariz e a boca com uma volumosa manga de suas vestes e caminhou perplexamente até o centro dele. O segundo quadro, contudo, era bem mais paciente e persuasivo que o primeiro; inquiriu-lhe com muita calma:

    - Você trouxe tudo o que eu pedi?

    Imediatamente, Katerina dirigiu-se ao Dr. Blazek em escritório e, tirando de dentro de suas vestes a bolsa de dragão que lhe fizera companhia durante toda a viagem até Hogwarts, despejou sobre o aparador uma série de recipientes contendo líquidos e sólidos. Ali estava também, vedado, o frasco responsável pela morte da criança Goodwill. O retrato e a bruxa entreolharam-se e suas expressões faciais eram anuviadas e quase como réplicas - um era praticamente o outro travestido. Estavam separados apenas por uma fina camada de óleo que dividia o mundo fisico daquele curioso mundo de espectros - na verdade um recorte dele -, como uma janela para dimensões paralelas. Blazek foi a primeira a desviar os olhos, quebrando o estranho efeito de imagem especular. O quadro franziu as sobrancelhas.

    - Você fez tudo certo, também. - seu tom era grave. - Não aprontou uma das suas, eu espero.

    Katerina ergueu o olhar num pulo, subitamente alarmada por aquela suposição.

    - Dítě³... - insistiu o retrato.

    A professora desconversou, também em tcheco, e eles passaram um bom tempo dialogando nesse idioma. Ela apontava as coisas que havia trazido e se demorava falando sobre eles, para então simplesmente escutar o Dr. Blazek em escritório. A conversa não era nem um pouco calorosa e nenhum deles se alterava em momento algum, fazendo parecer tudo muito analítico, mesmo sem tradução. Houve um único instante, em meio ao monólogo do homem, em que Katerina abraçou a si mesma e abaixou os olhos, aparentemente fragilizada, ao que o retrato abrandou um pouco seu tom. Era quase como se a estivesse consolando, ou pedindo desculpas.

    Ela encerrou a comunicação entre eles, dando as costas para o quadro, que simplesmente se recolheu. Na moldura, restou apenas a parte "em escritório".

    Katerina caminhou a esmo e vagarosamente pelos aposentos, evitando os gravetos que provavelmente tinham sido lançados pela árvore que se avizinhava de sua janela. Parou justamente diante daquela janela, olhando para o céu com olhos anuviados por uma ou muitas horas, até que o sol começasse a descer. A um pio de Sokol, acordou de sua melancolia e percebeu o quarto ao seu redor. Fitando Sokol com a mesma expressão facial usada pelo Dr. Blazek para recebê-la, voltou a cobrir o nariz e tratou de limpar a gaiola com a varinha, enquanto reprimia a ave, num diálogo bastante excêntrico. A "faxina" estendeu-se a sua cama, que recebeu lençóis limpos, sobre os quais ela deixou-se cair, desolada. De onde estava, podia ver os chocolates de Yuuri, esquecidos sobre a lareira.

    Apesar de você não merecer, não está envenenado ou qualquer coisa do gênero.

    Ela certamente não merecia receber coisa alguma de alguém. No entanto, buscou os chocolates com um aceno preguiçoso de sua varinha e abriu a bonita caixa inscrita em hieróglifos japoneses. Pescou um, dois, três chocolates...ficava mais gostoso a cada mordida e até mesmo começava a sentir-se melhor. Oh, Yuuri teria sua punição por tanto atrevimento! Sorriu maldosamente ao lembrar-se de como o menino gostava de embates, especialmente quando estes eram travados com sua Professora de Feitiços. Arranjaria para ele um desafio que lhe fizesse justiça.


    - Sokol! - chamou a coruja com a boca cheia e marrom nos cantos, enquanto usava o próprio papel do chocolate para escrever um recado, agradavelmente esparramada na cama.

    Foi uma deliciosa surpresa, Sr. Yuuri.

    Esteja nos meus aposentos no cair da noite para sua detenção.


    Atenciosamente,
    Uma pessoa amarga que não suporta mais que duas ou três taças de vinho.


    Permitiu-se rir um pouco durante o processo de amarrar a cartinha na perna da ave e afagou-lhe o bico afetuosamente antes de enviá-la em vôo. Sokol desapareceu através da janela, no pôr do sol, deixando para trás aquela mulher cheia de segredos e, agora, chocolates finos.

¹ "Baba Yaga, eu trouxe os ossos"
² Mãe
³ Criança

Off: JESUS CRISTO! ~termina de parir o post e morre logo em seguida.
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Re: Aposentos da Profª de Feitiços - Katerina Blazek

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  • Aquele não era um dia bom. Havia se preocupado demais, dormido de menos, teve pesadelos, descobriu-se sonambulo... E quis que parte do sonho alucinado e, talvez, provindo de entorpecentes fosse verdade.

    Não a parte que em que Hokuto se afogou, quero dizer. Mas a parte que eles... Perceber aquilo era tão alucinado que repetir dava vertigem.

    Mas, fora isso, seu dia estava vazio, sem perspectiva alguma! A não ser o tédio. Talvez mais algum clássico da literatura, quem sabe?

    Os planos mudaram quando uma coruja se aproximou dele e estendeu a patinha. O sexto sentido gritou que era detenção. E acertou! Aquela bruxa tcheca lhe esperava no quarto dela. Nada mais sugestivo depois do sonho que teve... Será que ela estaria de vestido florido e leve, para variar daquelas mantas que não deixavam nada nem para a imaginação?

    Acariciando-a, Hokuto distraiu a coruja até chegar na sala de vassouras, onde, aos onze anos, guardou a vassoura em que aprendeu a voar. Obviamente escolheu, dessa vez, uma muito mais potente. Não queria correr o risco de cair da torre.

    - Me leva até aquela bruxa do leste, por favor? - Ele pediu, sendo estranhamente carinhoso no modo de falar com a coruja e tom que falava sobre ela - a bruxa, quero dizer...

    Talvez nem tenha percebido. Só montou na vassoura, soltou a coruja e a seguiu pela janela, dando o tempo da ave entrar, chamando a atenção da provável dona e esperou que ela se distraisse de novo. O por do sol era belíssimo, mas o foco do garoto era bolar uma entrada digna dele e do que ela merecia em termos de surpresa. Pescou algo na memória e achou algo que lhe parecia suficientemente surpreendente. Algo que ela não esperava. E surpreendê-la sempre era bom, pois por mais que ela ficasse impassível, suas bochechas coravam de raiva, deixando-a... Bonitinha?


    "EW!" , Hokuto se repreendeu em mente, respirando fundo.

    Sentando-seno parapeito da janela, ele começou:

    - Só ri das cicatrizes quem ferida nunca sofreu no corpo. Mas silêncio! Que luz se escoa agora da janela? Será Julieta o sol daquele oriente? Surge, formoso sol, e mata a lua cheia de inveja, que se mostra pálida e doente de tristeza, por ter visto que, como serva, és mais formosa que ela. Deixa, pois, de servi-la; ela é invejosa. Somente os tolos usam sua túnica de vestal, verde e doente; joga-a fora. Eis minha dama. Oh, sim! é o meu amor. Se ela soubesse disso! Ela fala; contudo, não diz nada. Que importa? Com o olhar está falando. Vou responder-lhe. Não; sou muito ousado; não se dirige a mim: duas estrelas do céu, as mais formosas, tendo tido qualquer ocupação, aos olhos dela pediram que brilhassem nas esferas, até que elas voltassem. Que se dera se ficassem lá no alto os olhos dela, e na sua cabeça os dois luzeiros? Suas faces nitentes deixariam corridas as estrelas, como o dia faz com a luz das candeias, e seus olhos tamanha luz no céu espalhariam, que os pássaros, despertos, cantariam. Vede como ela apoia o rosto à mão. Ah! se eu fosse uma luva dessa mão, para poder tocar naquela face!

    Cada verso era citado com voz profunda e cheia de sentimento, incluindo certo deboche, quase invisível nas palavras. Mas os olhos diziam outra coisa. E estes encaravam a mulher sem praticamente piscar. Tentava pescar algo na reação dela. Talvez fosse surpresa e algo mais? Sorria abertamente, sem pudor, mixado com mais uma ou duas gotas de cinismo. Ela podia joga-lo do parapeito, mas nem parecia importante naquele momento. Ele apenas interpretava os versos como se ela, Katerina, fosse sua Julieta torta - e se fosse?.

    Ele finalizou, olhando-a com intensidade e um meio sorriso debochado. Mostrava que duvidava que ela soubesse o que vinha depois de tamanha fala e ao mesmo tempo esperava algo mais, além da reação habitual de amargura e desprezo que ela exibiria. Ela provavelmente o ridicularizaria e não se tocaria, mesmo da diante menção óbvia Julieta. Ainda que assim o fizesse, sua intenção não era ser galante. Afinal das contas, para ela, Hokuto não passava de um homossexual leitor de clássicos, não? Que ela pagasse para ver quem era o homossexual...

______________________


Off: Fiiiiiiiireeeeeeeeeeeeee! Go, Lili. Arrebenta! \o/
Off 2: Apesar de eu estar louca por essa sequência, ela pode ter ficado uma bosta. Espero corresponder as suas expectativas ~cílios ultrassônicos
Off3: Aaaah, não demora, por favooooor! To doida pela reação dela =X
Off4: Ou manda comentário por mp, pode ser. =D[/size]
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Re: Aposentos da Profª de Feitiços - Katerina Blazek

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    O tempo entre a saída e o retorno de Sokol foi o mesmo de um sono ruim. Letárgica, Blazek percebeu a coruja entrar no quarto batendo as asas no sentido contrário, a fim de frear, franzindo os olhos contra o pequeno tufão que se formou. A ave desviou diretamente para sua gaiola e empertigou-se em seu poleiro, pondo-se a olhar fixamente para a janela. Katerina franziu as sobrancelhas e, livrando-se da caixa quase vazia de chocolates, sentou-se na cama muito ereta, sobre uma das pernas. Ambos animal e dona tinham a mesma postura vigilante, e o quadro teria se tornado mais cômico, se não fosse o aparecimento inusitado de um rapaz.

    A professora arregalou os olhos - no que teria sido para ela um grande susto - quando viu Hokuto Yuuri escalar sua janela e sentar-se pomposamente ao parapeito com um largo sorriso entre o triunfo e o deboche. Ela abriu e fechou a boca em meio a seu rosto espantado, adquirindo para si um aspecto engraçado de peixe. Dentre todas as hipóteses que considerava as mais prováveis, uma aparição mais normal, de preferência pela porta da frente, encabeçava a precária lista. Além do mais, não o esperava tão instantaneamente ali, como se ávido por sua detenção. Katerina provavelmente o teria atirado janela abaixo por tanta indiscrição, se ele não tivesse sido mais rápido em seu discurso shakespeareano.

    Cada palavra ela entoada com uma força brutal, como se Yuuri fosse a grande estrela da peça, e a janela e seu quarto nada mais que parte do cenário da ficção. Conhecia Romeu e Julieta dos filmes melosos a que sua jovem babá dedicava toda atenção, nas raras noites em que seu pai tinha compromissos à noite e ela era obrigada a ficar por perto, na sala. Katerina se lembrava de um bocado deles e de seus finais decepcionantes, mas nenhum terminava de um jeito tão tragicamente forçado quanto Romeu e Julieta.

    Quanto àquelas palavras...não se lembrava de serem tão poderosas. Descobriu-se apoiando o rosto na mão e corou, desfazendo imediatamente a pose citada nos versos. Então ela era Julieta e ele Romeu? Se sim, o que deveria fazer? Cobrir o quadro de seu pai morto e tomar veneno? De todos os jeitos de insultá-la, Yuuri escolhera o pior de todos - evocar poesia e romance num ambiente onde eles obviamente não cabiam.


    - Que há de errado com você? - perguntou ao término do recital, um pouco mais afetada do que o habitual. - Por certo que andou lendo demais livros de meninas pré-adolescentes.

    Não havia escárnio em nenhuma das linhas de seu rosto, apenas tensão. Ela recolheu a capa de suas vestes e ergueu-se da cama muito depressa, pondo-se a andar de costas para Yuuri.

    - Está vendo toda essa sujeira? - ela apontava todos os cantos do quarto, sem nunca olhar para ele. - É bom que tenha trazido uma vassoura, porque a sua detenção será limpar toda essa sujeira...sem varinha. Esse castigo agora é moda entre os professores, sabe...

    Ele não precisaria ver sua expressão para saber que se deliciava com tudo aquilo. Quase se sentia vingada pelo trecho de Shakespeare e toda a atenção desconfortável com que Yuuri tentava atingi-la. Era quase como se ele quisesse estar presente, ser notado e até mesmo atacado pela professora. E em resposta, o que ele fazia? Oh, não - de modo algum se recolhia e passava a evitar a professora, como todos os outros normais. Pelo contrário: ele retribuía todo o carinho com chocolates e poesias, tudo isso sem deixar de lado o tom provocativo da relação entre eles. Seria alguma espécie de masoquista?

    Se fosse...bem, ele que mal soubesse o quanto andava um pouco desarmada demais entretê-lo.

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Re: Aposentos da Profª de Feitiços - Katerina Blazek

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  • Katerina estava obviamente sensibilizada. Talvez não fosse tão insensível assim aos encantos da literatura. Quando ela deu as costas ao Hokuto, o rapaz pensou seriamente em provocá-la de novo, dizer no ouvido dela que se ela o deixasse só ele seria capaz de vasculhar suas gavetas para ver suas calcinhas. Não que ele fosse fazer isso de fato, ainda que quisesse. Era apenas uma provocação saudável, típica do jeito estúpido que ele tinha de amar as pessoas.

    O fato é que ele estava só agora, no ninho dela. Qualquer pessoa sã vasculharia até o último detalhe para conhecê-la melhor ou achar coisas incriminadoras ao respeito da mulher nórdica. Ele podia fazer isso. Mas não o fez. Pelo contrário, foi deferente. Foi reverente à intimidade da mulher. E se preocupou com o fato de ela aparentar estar fraca. Talvez fosse o vinho que ela estivesse apenas tonta.

    Concentrou-se na detenção. Blezek havia mandando que ele limpar o quarto sem varinha. Mas não a tirou das mãos dele. Seria uma falha severa no caráter usá-la para limpar o quarto dela? Nããããão! Aliás, seria divertido ver a cara dela quando percebesse que nem o maior esforço do mundo deixaria o quarto tão limpo quanto magia. Decidiu-se por usar a varinha, mas, para não dar na cara, foi arrumando canto por canto.

    No exercício de paciência e magia, flutuou a colcha de cama, balançou-o para tirar a poeira, dobrou-o e segurou. Limpou o colchão, a estrutura da cama e por baixo desta numa calma desumana. Forrou a cama, estendeu a colcha branca de forma calma, quase parando e alisou para não deixar uma dobrinha sequer. Katerina deveria ter um expressão serena ao dormir, destoando do habitual. Balançou a cabeça e se concentrou em acabar com a cama de uma vez.

    Partiu para as mesas de cabeceira, onde tirou o pó e deu um jeito de deixar um vaso de flores para ela. Que certamente odiaria, mas não tinha esporte mais saudável do que provoca-la. Já cansado de ser paciente, organizado e caprichoso, Hokuto iniciou um grande feitiço capaz de tirar toda a poeira do quarto...

    ... e foi interrompido por uma grande explosão que fez tremer o chão e um grito horripilante de dor, daqueles que só era capaz de dar quem estava prestes a deixar esta vida.

    Quando Hokuto deu por si, depois de um grande susto, correu para a antessala da professora e a encontrou desmaiada. Seu impulso inicial foi entrar em desespero, mas sufocou essa reação, respirando fundo e forçando a si mesmo. Viu a estátua despedaçada e quase bateu na cara da mulher desmaiada. Quem disse a ela que uma estátua era segura, sendo ela figura mitológica da proteção ou qualquer coisa assim?!

    Controlou-se. Deu fim ao feitiço do quadro da mulher que parecia gritar loucamente que quase se arrependeu de ter nascido. Gritava, feito uma louca, coisas. Calou o quadro. E entendeu porque ele era emudecido à força de magia. Resolveu avaliar a moça loira desmaiada e a percebeu sangrando muito. Resolveu buscar a primeira coisa que aparecesse para parar o sangramento.

    Quando voltou, não se anunciou, apenas viu a professora Primaver dando cuidados mágicos que o fez ficar extremamente frustrado por não ser capaz de ministrar a professora. Não entendia porque, mas era mesquinhamente interessante lembrar a Katerina que ela lhe devia a vida. Ou talvez não fosse mesquinho. Talvez quisesse realmente fazer algo por ela.

    Quando a professora aparentemente terminara de amenizar o sofrimento da jovem mestra de feitiços, Hokuto se anunciou sem nenhuma pompa ou simpatia:

    - Eu a levo para a Ala.

    Não havia espaço para cortesias nem para agradecimentos. A professora apenas foi. Devia ter algo mais interessante para fazer. Ou importante, talvez. Não havia tempo para devaneios. Hokuto simplesmente improvisou uma bandagem para estancar o sangramento.

    As expressões da bruxa desacordada estavam mais suaves. A dor havia cessado, certamente. Mas ela suava e tremia. Hokuto constatou que ardia em febre. A expressão suavizada - que a deixava mais bonita, ele constatou em momento impróprio - as vezes se contraia em dor.

    - Um rrraio rroxo atchingiu-a. - Comentou um quadro, um homem com aparência severa. - Se forrrrr o que sussspeito, é grrrrave, meu rrrrapazz. Uma maldiçon. Leve-a para ala. Se eles não rrresolverrrem venha comigo e eu lhe orrientarrei.

    Apesar do sotaque pesado, Hokuto compreendeu a mensagem. Com uma força vinda do auto-controle, o rapaz levantou a mulher com vigor, passou pelo buraco que um dia teve uma estátua e andou o mais rápido possível, levando Katerina para ala hospitalar.

    Ela já não lhe parecia forte acordada e andante; desacordada e amaldiçoada - apesar dos esforços da professora Fuku -, Katerina lhe parecia quase morta.

    E essa perspectiva trazia dor atroz, quase insuportável, ao coração de Hokuto...


Off: Uma bíblia em homenagem à volta shoo. (L)
Off 2: Ala hospitalar.
Off 3: Parecia maior no bloco de notas. Ficou pequeno no preview. /cry
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