Servir & Proteger

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Mr. Corleone
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1-O COMEÇO
O pacote pardo estava fechado e bem seguro na mão firme que o prendia. A Sargento Warrington já havia classificado há muito tempo as rosquinhas do Screws como essenciais em suas rondas noturnas por Los Angeles. Acabara de sair do estabelecimento e caminhava diretamente para a sua viatura policial parada no estacionamento pouco iluminado. Abriu a porta do passageiro com firmeza e entrou no carro.



Levou um pouco de tempo até os demais sentidos da policial se acostumarem ao novo ambiente. Sua visão foi se acostumando a escuridão dentro do carro, seu olfato aspirando o cheiro de couro que vinha dos bancos novos, o som displicente do The Outfield que saía do rádio chegava aos seus ouvidos enquanto ela procurava a superfície áspera do cinto de segurança. Em segundos, seu paladar sentia o doce da rosquinha derreter por sua boca. Ela curtiu a sensação enquanto o carro começava a rodar pela avenida. Só o Screws sabia fazer a melhor rosquinha da cidade.



–Mmmmm... – Ela se saboreava com a guloseima. A voz de uma risada se juntou a música nos seus ouvidos.



–Isso pode causar obesidade, sabia?



O parceiro de Warrington, Carl Black, divertia-se com o comportamento da colega enquanto dirigia pela cidade.



–Tenho que aproveitar a minha juventude! – falou ela simplesmente, ignorando as alfinetadas do colega de trabalho e amigo. Já se acostumara com o jeito de Carl, e duvidava muito que uma rosquinha de vez em quando pudesse alterar muita coisa no seu metabolismo.



Na verdade, Amélia Warrington não era nenhuma modelo. Tampouco era gorda. Amélia era uma mulher de curvas. Tinha bonitas pernas e uma cintura modelada, sua pele era branca como leite e seus cabelos negros iam até os ombros. Amélia conseguia a façanha de ficar sexy até mesmo dentro da sua roupa militar o que virava a cabeça de muitos policiais na delegacia. E, é claro, o fato de ser a única mulher de seu batalhão não ajudava muito.



Mas Amélia Warrington despreza todos os policiais de Los Angeles e suas tolas investidas com relação ela. Ironicamente, como sempre acontece, o único policial que ela queria virar a cabeça era justamente aquele que não a via como tal.



–É serio? – perguntou Carl enquanto paravam num sinal vermelho – você prefere morrer gorda e caída a ter uma aparência, digamos, enxuta?



–Procuro não pensar muito no amanhã... – falou ela simplesmente enquanto seus dedos ençucarados voltavam para dentro do saco à procura de mais rosquinhas – E você fala como se fosse manter esse seu porte atlético através da eternidade...



–Quem sabe – respondeu Carl – nessa profissão a gente nunca sabe quando podemos ir dessa pra uma melhor.



Amélia engasgou ao mesmo tempo em que sentia um frio percorrer sua espinha, virou-se para lançar uma dura crítica ao comentário do parceiro. Mas parou, quando notou um leve traço de amargura no rosto do amigo.



Carl Black era de Nova York. Teve uma infância humilde no Brooklyn. Vira muitas coisas em sua vida como, por exemplo, o assassinato do próprio pai que também era policial. Um assalto a mão armada em uma joalheria, uma farda ensangüentada no chão, e Carl Black se viu sem pai na confusa metrópole do mundo. Ele tinha oito anos.



Curiosamente, o que vira não havia traumatizado o garoto, mas sim, aumentara ainda mais o gosto pela profissão. Carl Black se entregou ao juramento do dever com afoito, para honrar a lembrança do pai.



Amélia tentou levar a conversa para águas menos tensas.



–Você precisa é arranjar uma namorada – falou rindo, tendo o cuidado de não deixar transparecer nenhuma indicação na sua voz. Já havia cansado da natureza passiva de Carl; se ele não percebia, ela que não iria dizer.



–Eu tenho uma namorada...



–Tem?! – perguntou Amélia rápido demais, sua mão paralisou no saco de rosquinha.



–Sim – Carl riu – A minha pistola calibre 380. O padre é quem vai casar a gente. – falou enquanto dava tapinhas no bolso interno da farda onde estava o distintivo.



–Uhhh... – Amélia usou o sarcasmo – Falou o matador profissional.



Carl não discutiu. Era verdade. Nunca havia matado ninguém durante todo o tempo em que servira como policial. Sempre pegara os caras vivos.



Ele não sabia muito bem como se sentia em relação a isso. Não que matar fosse uma coisa boa, mas, ele não gostava de se sentir inferior aos outros companheiros de batalhão. Todas as vezes que pensava sobre o assunto, no entanto, o que via era o assassinato do próprio pai. Ele sabia que não queria o mesmo destino para alguma outra criança.



O silêncio se colocou entre eles enquanto Amélia saboreava as suas rosquinhas e Carl flutuava em seus pensamentos enquanto dobrava a viatura na Rua North Spring.











***







A luz do poste iluminava um pequeno trecho daquele beco imundo. A água saía do vazamento de algum cano e escorria em volta da parede. De uma lata de lixo próxima ouvia-se o guincho estridente de ratos. As duas figuras que ali estavam olhavam uma para outra, o ódio se emanando em ondas de seus corpos.



O homem vestia calça e camisa sociais novinhas e um tanto folgadas, sapatos bem lustrosos, uma corrente de algo que lembrava prata era visível por cima da camisa. Sua pele era cor de jambo o que indicava sua procedência Latina, Porto Rico ou Honduras talvez. Tinha um bigode fino e sujo e na testa já apresentava algumas entradas sob o cabelo desgranhado. Nas mãos segurava um bolinho de notas de dinheiro e brincava de passar o dedo por elas enquanto olhava para moça com desprezo.



–Não está faltando nada aqui, sua vagabunda?



–Isso é tudo que eu tenho!! Eu não tenho mais nada, Zito!



A garota respondeu com ódio e coragem, embora seu coração estivesse disparado e ela estivesse quase entrando em pânico por dentro, com o rabo dos olhos olhou para os lados encurralada. De um lado, a rua passava pelo beco deserta aquela hora da madrugada. Uma cabine telefônica apedrejada do outro lado da rua sobrevivia abandonada. O outro lado do beco, ela não conseguia distinguir o que havia através da escuridão. Se tivesse sorte, poderia despistar o homem e sair correndo. Mas antes que pudesse tomar uma atitude, Zito guardou o dinheiro no bolso traseiro da calça e se aproximou dela pegando ela pelo queixo.



–Vem cá, sua vagabundinha, ta achando que eu sou palhaço??? Já faz um bom tempo que tu anda me devendo! É bom tu pagar o que deve se não eu te mato!



–O movimento está fraco, ok?! Não é sempre que eu consigo algo...



PÁÁÁ!!!! O som do tapa ecoou pelo beco. Zito olhou para ela com desprezo enquanto ela voltava o rosto para ele, os cabelos grudados no rosto.



–Mentirosa!... Vadia... Ontem mesmo vi você entrando em três carros diferentes... vai negar agora vai?



A garota olhou para ele com raiva. Seus olhos fulminavam o homem a sua frente fazendo um esforço violento para não deixar as lágrimas caírem. Seus cabelos ruivos estavam colados em sua bochecha. Estava encostada em uma parede, usava roupas excessivamente curtas planejadas justamente para atrair os seres do sexo masculino através de suas coxas e de seu decote. Odiava tanto aquela vida, mas não odiava mais do que ao homem a sua frente.



–Tudo que eu consegui eu te dei! Não sobrou mais nada!!!



Ele pegou ela por um braço gritando. A outra mão voou rápido para um bolso e quando voltou, ela sentiu um terrível frio espalhar pelo seu corpo.



Zito encostara a faca extremamente afiada em seu pescoço.



–Vem cá sua vadia mentirosa!!! É bom você me pagar o resto ou então eu corto a sua garganta de ponta a ponta, ouviu?!



Ela estava paralisada de terror. Sua respiração arquejava. Não duvidava que Zito fosse capaz de fazer aquilo que estava ameaçando. Já ouvira falar de coisas muito mais terríveis e chocantes vindo de Zito. Histórias de arrepiar pessoas com estômago forte.



Então, algo inesperado aconteceu.



–Solte ela!



E tudo se passou muito rápido.



Zito a pegou por um braço e a jogou de costas sobre ele de frente para a saída do beco. A faca pressionava sua garganta. Ela pode ver uma viatura policial a frente da cabine telefônica. Um policial estava na entrada do beco, e apontava sua pistola diretamente para eles. E Zito a usava como escudo.



–Solte-a! – repetiu o policial.



–Uuuuuh – Zito zombou – calma aí, anjo da guarda! A gente só estava tratando de uns assuntos patrão-empregado, sabe como é.



–Socorro!!! – a garota gritou – Por favor me ajude!!!



–Chhhh!!!! – chiou Zito – Cala a boca sua vagabunda! Vamos lá anjo da guarda, não vamos nos preocupar com tão pouco. Ela é só uma prostituta não é?!



Uma veia saltara na testa do policial. Seus olhos se estreitaram de raiva. Pelo jeito, o homem acabara de falar justamente o que não devia.







***







As palavras do homem foram como um detonador de granada para Carl Black. O policial sentia a raiva se apoderar dele numa onda que ele não pode controlar. O fluxo de lembranças passou voando pela sua cabeça. Seu pai morto durante o assalto. A mãe saindo todas as noites. O dia em que descobrira de onde vinha o dinheiro que o sustentava e do qual ele se alimentava.



–Solte-a!!



Mas não foi a voz de Carl Black que ecoou pelo beco e sim, outra mais feminina, vinda diretamente da outra direção.



Aquilo desnorteou o homem. Ele se virou, pego de surpresa, arrastando a garota consigo ao mesmo tempo que Amélia Warrington surgia da escuridão do beco, a pistola também apontada para eles.



Mas ao fazer isso, o homem baixou a guarda em relação a Carl. Um erro fatal.



Carl não pode controlar a onda de raiva que foi se espalhando pelos nervos de seu braço até os dedos... e puxou o gatilho!







***







As viaturas policiais enchiam a Rua North Spring, os dois carros da perícia haviam estacionado atrás da viatura de Black e Warrington. Os policiais iam e vinha pelo beco que agora estava bem iluminado pelas luzes das sirenes e dos fotógrafos da perícia que usavam flashes estonteantes. O corpo caído no chão era fotografado e analisado enquanto os policiais tentavam não pisar no sangue rubro-tinto que escorria pelo chão.



Carl Black estava encostado na sua viatura, olhando para o chão. Um pouco afastado de onde os outros homens faziam os procedimentos de praxe. Estava tão absorto em seus próprios pensamentos que nem prestara atenção quando Amélia se aproximara e se encostara ao lado dele na viatura.



–Carl... você está bem?



A voz da parceira fisgou-o do oceano negro onde estava submerso.



–O que?... Claro, Amélia... Claro que estou bem...



–Não, não está... Você acabou de matar uma pessoa hoje... pela primeira vez... é claro que não está!



Carl respirou fundo.



–Eu... eu só não pensei que seria desse jeito... só isso... eu me descontrolei... quando vi tinha puxado o gatilho...



Amélia respirou fundo, e então colocou a mão no ombro do colega e amigo.



–Deu, está tudo bem! Acabou agora...



Os dois ficaram ali por mais algum tempo. Amélia podia sentir a confusão que emanava dele. Queria poder abraça-lo... Quem sabe beija-lo.



Cedo. Muito Cedo. Carl Black se levantou, se afastando do seu toque.



–Você tem razão. O que está feito, está feito. Não dá para se lamentar agora – ele falou, desejando do fundo do coração acreditar em suas próprias palavras – vamos, vamos ver se eles precisam da gente.



Amélia seguiu atrás dele. Odiando o costume de Black de sempre se achar homem o suficiente para desdenhar os próprios sentimentos. Os dois caminharam lado a lado de volta a entrada do beco onde os policiais faziam as últimas perguntas para a garota. Ela estava encostada em uma outra viatura, e chorava profusamente.



A garota se virou quando os dois policiais se aproximaram. Reconhecendo em Carl o seu salvador.



–Obrigado!! Muito obrigado, mesmo!! Ele merecia morrer aquele cafajeste!!



Evitando olhar para o corpo de Zito caído e ensanguentado no beco, Carl se obrigou a olhar nos olhos amendoados dela. Percebeu então o que havia disparado a raiva do seu inconsciente. A garota não só lembrava a sua mãe. A garota era parecida com sua mãe quando ela era jovem.



–Como é o seu nome? – Carl perguntou.



A garota hesitou, então respondeu.



–Scarlett.



Mas Carl sabia que era mentira, dificilmente as prostitutas usavam nomes verdadeiros, era quase que uma exigência silenciosa da profissão.



–Ela precisa ser levada para a delegacia agora, para o interrogatório formal – falou um dos policiais a qual haviam se reunido – Aqui não é um bom lugar para ela ficar; Sargento Warrington leve-a daqui.



–Sim, Tenente Olliver. – e se virando para a moça – Por aqui...



Carl ficou olhando enquanto as duas mulheres se encaminhavam até a viatura policial. Ficou olhando ainda quando as luzes da sirene se apagaram ao longe. Ele se sentia péssimo, como se seu corpo pesasse mil vezes mais do que normalmente pesaria.



Foi quando ele sentiu algo no seu bolso se mexer, num gesto automático ele pegou o celular. Atendeu no mesmo momento, sem se preocupar em perceber que a ligação vinha de um número não rastreado.



–Alô?



O silêncio.



–Alô???



Uma risada.



–Alô?? Quem está falando??



–Ôooooh... Calma aí anjo da guarda!!! Conseguiu livrar aquela vagabundinha dessa vez não foi?



Um gelo se espalhou por cada partícula do seu corpo. O pavor crescente o dominou. Era impossível. Não podia ser aquela voz. Ele se virou no mesmo lugar para olhar fixamente para o corpo do homem.



–Quem está falando?!



–Ah... Anjo da Guarda... Não se faça de besta!!! Você sabe quem é!! E escute bem, anjinho... você pode ter safado aquela vadia dessa vez, mas não irá salva-la na próxima!!!!



–Tuu... Tuu... Tuu...



A chamada fora encerrada. Carl estava parado no mesmo lugar. Seu cérebro estava congelado enquanto olhava para o corpo de Zito no chão. Um buraco ensangüentado no ouvido indicando o lugar onde a bala perfurara para se alojar no cérebro. Ele estava lá, visivelmente morto.



Mesmo assim, Carl Black acabara de falar com ele pelo telefone!











CONTINUA...
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2-O MEIO


Os olhos de Carl Black tentaram inutilmente vencer a escuridão pesada de seu próprio quarto quando fora buscado violentamente de seus sonhos. Ainda no limiar da consciência quando a gente não sabe o que é sonho e o que é realidade, Carl revirou os olhos pelo quarto tentando se lembrar do que o acordara tão repentinamente. Segundos depois se deu conta do que fora, uma vibração embaixo do seu travesseiro informou que o seu celular estava tocando. Carl levou a mão ao celular e o atendera com a voz pastosa de sono, tentando imaginar quem poderia ser àquela hora da madrugada.



–Alô...?



–...



–Alô?? – perguntou Carl, um pouco mais alerta. Já considerando a idéia de trote.



–Te acordei, anjo da guarda?



A voz debochada saiu do telefone. De repente, Carl Black ficou completamente acordado.



–Quem está falando?



–Ah... Anjo da Guarda... já falei para deixar de ser besta... você sabe muito bem quem é...



Carl Black parou um momento para respirar. Se sentou na beirada da cama. Para tentar colocar os pensamentos em ordem.



–Impossível... eu o matei.



–Ah...com certeza matou – a voz debochada de Zito, respondeu – mas se engana se pensa que pode me deter... eu vou ainda pegar aquela vagabundinha, e dessa vez, você não vai poder me deter!



–Tuu... Tuu... Tuu...



Carl ficou uns minutos ouvindo o som da ligação cortada sem acreditar no que estava acontecendo. Considerando seriamente a hipótese de que continuava dormindo e que aquilo tudo era um sonho, ele começou a apertar febrilmente as teclas do celular para ver o número da chamada discada.



O número estava bloqueado.







***







–Carl... Carl, está me ouvindo?!



A voz de Amélia veio de muito longe até o encontro dele. Carl finalmente se deu conta de que ela estava tentando falar com ele já fazia alguns minutos.



–Ah... é óbvio – respondeu o policial, tentando organizar os pensamentos.



–Ah é?... – falou Amélia, com um olhar furioso – então o que foi que eu disse por último?



–Uh.... – Carl parou, forçando os neurônios violentamente para tentar se lembrar – é sobre os relatórios de armas ilegais do Walker?



O olhar de raiva que Amélia lançou a ele logo se tornou suficiente para ele saber que não tinha nada haver com o relatório do Walker...



Ela tomou o último gole de seu café e com um suspiro de fúria se levantou e se encaminhou até a janela por onde entrava o sol da tarde. Era o dia após a morte de Zito, e os dois estavam na Delegacia no momento de plantão. Esperavam o sol se pôr para mais uma ronda noturna na cidade de Los Angeles, dando prosseguimento a rotina que já levavam a mais de um ano.



–Escute, Carl... – a voz dela soou mais controlada – eu sei que matar uma pessoa não é fácil, mesmo essa pessoa sendo um criminoso... mas, você tem que superar isso. Se é ainda cedo então vá ao Comissário Johnsson! Peça uma licença! Tenho certeza que ele iria compreender melhor que qualquer outro policial!....



Levou algum tempo para Carl entender o sentido das palavras que ecoavam pela pequenina sala que pertencia aos dois.



–O que?! Não... isso não tem nada haver... Não é bem isso, ok!



–Não? – Amélia soltou um riso de descrença e se virou para encara-lo – é o que então, Black?



Carl hesitou alguns segundos, considerando a hipótese.



–Amélia... você confia em mim? Confia realmente em mim?



A expressão no rosto dela se alterou. Ela percebeu a seriedade e a gravidade incomum na voz do parceiro.



–É claro, Carl... o que está havendo? Aconteceu alguma coisa?



Ele respirou fundo. Então num movimento brusco, se levantou rapidamente e fechou a porta de vidro do pequeno gabinete deles. Esperou alguns segundos, e se dirigiu para Amélia.



–Amélia... você... você acredita em... – ele respirou fundo, considerando a total falta de conexões do que iria falar – você acredita em vida após a morte?



Ela ficou olhando para ele, confusa... “De que raios ele estava falando?”.



–Como assim... vida após a... ta falando de... reencarnação?



–Não exatamente!



–Então... o que?!



–Eu também não sei! – falou Black... quase alterado. Ele baixou o tom de voz. – Escute... ontem a noite, logo após você trazer aquela garota para a delegacia...



–Scarlett...



–Que seje! Segundos depois de vocês saírem... eu recebi uma ligação – falou, mostrando o celular para ela.



–E daí? – ela perguntou.



–Uma ligação... do homem que eu havia acabado de matar!



Ele esperou alguns segundos, esperando pela reação dela.



–Por favor, Carl... isso não é momento para piadas...



–Não é uma piada! Era a voz dele! Eu ouvi! Me chamou de Anjo da Guarda! Do mesmo jeito que ele me chamara antes de eu disparar a arma! E estava ameaçando a moça!



Amélia respirou fundo. Tentando ser racional.



–Carl, eu sei que tirar uma vida pode ser chocante nas primeiras horas. Não duvidaria que uma pessoa mais fraca tivesse alguns delírios...



–Eu não sou fraco!!!!! Você me conhece!!!!! E eu não estava tendo delírios!!!! Eu sei o que ouvi!!!!!



–Ok! – admitiu ela. Um pouco para tentar faze-lo parar de gritar. – ele podia ter um cúmplice, alguém que estava no beco e fez a ligação meio que para te deixar apavorado.



–Como que um cúmplice dele teria meu número? – ele perguntou, exasperado. – E você veio pelo lado do beco... havia mais alguém lá?



–Bom... – ela parou – não, mas... – ela não tinha outros argumentos, e não queria mais mencionar a possibilidade da imaginação dele ter criado tudo.



–Espera... eu não terminei ainda – falou Carl... – nessa última madrugada... eu recebi outra ligação... me acordou... também dele... a mesma coisa...



–Pode ter sido um sonho.



–Não foi um sonho, eu sei a diferença entre sonho e realidade – falou Black – eu nem sequer consegui dormir depois daquilo.



–Então o que você sugere, Carl? Que ele não estava bem morto? – ela perguntou, não conseguindo dominar o tom de deboche na voz dela.



–Eu não sei... eu não sei de mais nada... essa é a questão!



Ele se sentou de volta em sua cadeira, e pôs as duas mãos na cabeça. Por mais cética que Amélia fosse, não pode deixar de sentir compaixão por ele.



–Escute, Carl... isso tudo tem de ter uma explicação lógica... ele ligou para o seu celular não foi? Qual o número que apareceu?



Carl deu uma risada histérica.



–Olhe você mesmo – falou, passando o celular para ela – bloqueadas. As duas chamadas.



Amélia olhou. De fato, haviam duas chamadas com o número bloqueado e uma era quase na mesma hora do momento em que haviam atendido aquela ocorrência.



–Certo! Se vamos levar em conta o que você está falando...



–Eu não sou um mentiroso!



–...então devemos investigar racionalmente, tem de haver uma explicação! Vamos, levante-se! – ela falou, enquanto pegava a chave da viatura deles.



–Onde vamos? – perguntou.



–A Perícia! Vamos ver o corpo de Zito, apenas para nos certificar se ele está bem matado!



–E como vamos entrar lá sem um mandado?



Ela hesitou.



–O legista é meu... primo!



Os dois estavam saindo da sala quando Carl estacou.



–Espere um momentinho...



Ele seguiu por um corredor lateral e seguiu até o setor de Inteligência. O setor de inteligência da delegacia era uma sala menor e contrastava enormemente com o resto do prédio. Era um cômodo apertado e cheio de máquinas e computadores que deixariam o local uma sauna se não fossem pelos tubos de ventilação e os vários ar condicionados. O policial que trabalhava naquele setor era um velho conhecido de Carl...



–Ei, Gabriel...



–Salve, Black! – falou o louro Gabriel, erguendo os olhos de uma tela de computador – e aí, quando vai sair aquele joguinho?



Carl forçou um sorriso despreocupado.



–Logo, Gabriel, logo... escute... você poderia me fazer um favor?



–Mas claro – falou Gabriel – é para isso que eu trabalho não é?



–Na verdade – Carl pigarreou – é um favor um tanto particular.



–Que tipo de favor? – Gabriel enrugou a testa. Carl Black era bastante íntegro e jamais usaria os confortos que sua profissão possibilitava para algo que fosse apenas pessoal. Já havia recebido pedido de vários outros, e atendera, mas nunca de Carl. Gabriel tinha uma visão um pouco diferente, era um verdadeiro ninja de computação e achava um desperdício toda aquela aparelhagem ser usada para um único fim em vez de ampliar seus objetivos.



Carl retirou seu telefone celular do bolso, e entregou ao colega.



–Eu recebi duas chamadas bloqueadas essa noite – ele falou – eu gostaria que você rastreasse e me dissesse o número, e o nome da pessoa a quem o telefone pertence. Isso seria possível?



–Com a programação certa – falou Gabriel, descontraído – alguma garota em que você deu o fora está te atormentando?



–Seria bom se fosse apenas isso – falou Carl, num tom sombrio – bom, vejo você depois!



–Até... – respondeu Gabriel quando ele se virou para ir e saía do Setor de Inteligência.







***







–Eu mesmo tirei a bala, hoje de manhã! – o homem sorriu para eles – um belo tiro, por centímetros não atingiu o cérebro.



Carl olhou para Amélia.



–Então ele não morreu na hora?



–Ah... morreu sim, com certeza. – o primo de Amélia respondeu enquanto eles andavam pelo corredor gelado do necrotério, as lâmpadas se acendendo automaticamente enquanto passavam. Carl tentava não olhar para as várias gavetas ao redor dele – a bala não atingiu o cérebro mas teve velocidade suficiente para quebrar o pescoço dele e esmigalhar alguns ossos da coluna. Com certeza a morte dele foi instantânea...



–Me sinto tão bem quando você conta os detalhes, Bruce! – Amélia falou. Bruce deu uma gargalhada.



–A maioria das pessoas acha um trabalho estranho – falou, dando uma piscadela para Carl. – mas a gente acaba se acostumando.



O primo de Amélia, Bruce Warrington, não tinha muito haver com ela. Era gordo e tinha uma barba cerrada e a pele bem mais bronzeada. E, claro, um humor bem melhor que o dela apesar de sua profissão tão fúnebre.



–Bom, aqui estamos! – falou Bruce quando eles pararam em frente a gaveta de número 23 – e eis o seu amiguinho – ele completou quando puxou a gaveta. O corpo nu de Zito apareceu diante deles ao mesmo tempo que o gelo sublimado se erguia e eles sentiam o cheiro de alguns conservantes.



–Muito bem – falou Amélia, tentando evitar olhar para as partes mais íntimas do cadáver. – Bruce, poderia nos deixar sozinha com ele um momento?



–Certo – falou Bruce, um tanto intrigado, mas parecendo se divertir – Vocês querem conversar a sós com ele?



–Se a gente conseguir – sussurrou Amélia para que o primo não ouvisse. Bruce se virou e estava saindo pela mesma direção pela qual vieram, quando ouviram o som se fechando atrás deles, ela virou-se para Carl. – muito bem, aqui está o seu amigo! Ele parece bem saudável... se não fosse por um pequeno problema... ele está morto, Carl!



Ele fuzilou ela com os olhos, mas não teve com o que retrucar. O corpo de Zito estava bem diante deles, exatamente como ele se lembrava, mas visivelmente morto. Mas Carl também não podia aceitar a idéia de que tudo fosse apenas invenção de sua cabeça... isso era impossível, sempre fora mentalmente são. Era Zito no telefone, tinha certeza disso!



–Por que você está me assombrando? O que você quer? – demorou alguns segundos até perceber que pronunciara esses pensamentos em voz alta. Amélia olhava para ele, uma expressão de medo podia ser lida em seus olhos.



–Carl... ele é um cadáver... ele não vai te responder – ela tentou se firmar nas suas palavras apesar do medo que sentira ao vê-lo falar com Zito como se estivesse louco. Tentou dar convicção as suas palavras tentando forçá-lo a voltar a realidade – ele não pode te responder! Quanto mais ligar para você...



Carl ia responder que sabia disso quando algo na voz dela a interrompeu. Amélia levou a mão ao bolso e pegou o celular que vibrava em sua mão. Carl sentiu o estômago paralisar quando viu ela atendendo automaticamente o telefone, sem se preocupar em olhar para o identificador de chamadas.



–Alô?



Carl estava petrificado... olhava para Amélia com ansiedade... agora ela saberia... agora ela veria que não estava louco.



–Alô?



A expressão dela estava confusa, Carl apurou os ouvidos tentando escutar algum ruído do aparelho. Mas não conseguia ouvir nada.



–Alô??? – ela perguntou um tanto impaciente – está mudo!



Carl ergueu a mão. Sabia que era para ele.



–Deixe eu tentar...



Ela passou o telefone ainda aberto para ele. Ele o colocou junto ao ouvido.



–Alô? Sou eu...



Um murmúrio de risadas no fundo.



–Eu estou aqui. O que você quer? – falou Carl, olhando diretamente para o rosto sem vida. Dono da voz que ele sabia que estava do outro lado do telefone.



–É... eu sei que você está aqui! – a voz de Zito soou do outro lado da linha, como ele esperava – você perguntou o que eu queria... eu quero me vingar de você e daquela vagabundinha que me mandaram pra cá! Acharam que poderiam fazer isso sem arcar com as conseqüências? – ele riu.



–Você está morto!



–Acredito que sim, mas não serei o único não, Anjo da Guarda!



–Do que você está falando?



–Aquela vagabundinha ainda ta me devendo... só que agora a dívida é maior! Ainda hoje, eu vou cortar a garganta dela de ponta a ponta. E você não poderá fazer nada para impedir!!! – ele gargalhou do outro lado da linha.



–Isso é um blefe, não há como você...



–Tuu... Tuu... Tuu..



Zito, onde quer que estivesse, havia desligado.







***







A viatura policial voava pelas avenidas de Los Angeles ao por do sol, enquanto Carl Black pisava fundo no acelerador.



–Pelo amor de Deus, somos a própria polícia! – falou Amélia, vendo que ele já havia ultrapassado a muito o limite de velocidade.



–Temos que impedi-lo, Amélia! Ele vai tentar mata-la novamente.



–Carl, vê se entende uma coisa... ELE JÁ ESTÁ MORTO!



–Ele falou comigo pelo seu celular Amélia – Carl, continuou falando ignorando a explosão da companheira – ele disse que iria cortar a sua garganta de ponta a ponta ainda essa noite!



Amélia se recostou no banco, desistindo. Era inútil discutir com ele. Teve que se segurar com toda a força quando ele dobrou na rua Charlie Sheen.



–Foi você que levou ela até a sua casa, ontem – falou Carl, começando desacelerar agora – qual é o número?



–É um pouco mais a frente – respondeu Amélia, ainda aborrecida – e o que você vai falar pra ela? “Desculpe moça, mas desconfiamos que um espírito esteja querendo te matar! Você poderia ligar para os Caça-Fantasmas para eles lhe oferecerem proteção?”



–Não é uma má idéia – resmungou Carl, retrucando. Amélia bufou.



–É aqui! – ela falou.



Carl freou e olhou pela janela. Era uma espécie de pensão para moças. Carl Black podia muito bem imaginar as moças que viviam ali. A rua Charlie Sheen não era realmente uma das mais bem freqüentadas da cidade. Carl abriu a porta, mas antes que pusesse um pé na rua, notou que Amélia nem tinha se mexido no banco.



–Você não vem?



–Acho que você está lidando muito bem com a situação sozinho – ela respondeu. Carl percebera que ela havia decidido não se envolver mais com aquela historia.



–Você que sabe – respondeu Carl.



Ele saiu da viatura e se encaminhou para a pensão. A velhinha que estava na recepção se assustou ao ver aquele homenzarrão fardado entrando pela pequena salinha.



–Boa noite... Eu gostaria de uma informação... É aqui que mora uma jovem chamada Scarlett... eu não sei o sobrenome dela...



–Sim... ela mora aqui sim... algum problema? – perguntou a idosa, depois de ter passado o susto de vê-lo. Aquela farda a intimidava.



–Não... nenhum... apenas... minha corporação salvou ela de um... de um delinqüente a noite passada... eu só vim me certificar de que está tudo bem com ela.



–Oh sim... – falou a velhinha mudando completamente o seu jeito – eu fiquei sabendo... foi muita sorte vocês terem chegado lá bem na hora!... Bom... em geral eu telefono para os quartos para avisar sobre as visitas, mas nosso telefone está quebrado... então eu acho que não teria problema se o senhor quisesse ir diretamente até o apartamento dela! – ela falou sorrindo – é só subir as escadas. É o quarto 18!



Carl agradeceu, e se dirigiu as escadas. Subiu os lances dos degraus com um pouco de pressa e seguiu pelo corredor diretamente até o número 18... não havia campainha. Ele bateu na porta.



Alguns minutos depois, Scarlett atendeu. Ela ficou tão surpresa ao ver o homem parado à sua porta que congelou um momento. O suficiente para Carl perceber que seus cabelos ruivos estavam molhados e caíam pelo ombro, sinal de quem acabara de sair do chuveiro. Usava um robe da cor rosa... e mais nada.



–Sargento...eu... – ela pareceu desconcertada – boa noite, aconteceu alguma coisa?



–Não, exatamente – Carl respondera, também um pouco desconcertado. Não podia deixar de notar o quanto Scarlett era linda... e sexy. – eu poderia... entrar para conversarmos.



–Ah... claro – respondeu Scarlett, abrindo o resto da porta para que ele pudesse passar – desculpe atende-lo nesses trajes, pensei que fosse Perlla... sabe a dona da pensão...



–Por favor, sinta-se a vontade – falou Carl, Scarlett sorriu de uma forma insinuante. Era realmente uma mulher muito linda.



–Então, sargento – perguntou ela sem rodeios – o que o senhor gostaria mesmo?



Ele respirou fundo. Era mais difícil do que ele imaginava que fosse.



–É sobre... a noite passada...



O sorriso dela se anuviou. Obviamente ela estava exausta e queria esquecer daquela noite o mais rápido que pudesse.



–Eu sei que pode ser tortuoso pra você ainda falar nisso – falou Carl – eu só preciso dizer... achamos que você ainda está correndo perigo!



Ela parou... olhando para ele.



–Como assim... perigo?



–Você sabe se, Zito tinha algum parceiro.. cúmplice?



Ela se permitiu um sorriso.



–Zito? Não ele não confiava em ninguém além dele próprio. Ele não tinha parceiros. Por quê?



–Bom...temos recebido alguns telefonemas – ele cuidou para manter a frase no plural – ameaçando você!



–Sei... – ela falou – e vocês pensam que seria algum parceiro de Zito querendo retaliação, não é? Mas... se as ameaças são para mim... eu não entendo porque a polícia é que recebe as ligações...



–Na verdade... – começou Carl, estava prestes a embrenhar na parte mais esquisita. – sou eu que recebo as ligações.



Scarlett ingeriu essa informação.



–Porque o senhor então disse “nós”?



–Eu não queria te assustar... têm muitas coisas estranhas acontecendo!



–Estranhas tipo, o que?



Carl respirou fundo.



–É o próprio Zito que está me ligando.



O silêncio entre os dois agora havia se tornado sólido. Carl não conseguira olhar fixamente para Scarlett, começou a examinar o seu pequeno apartamento. Era de madeira e um tanto desarrumado, era um misto de quarto/casa/cozinha, um corredor a sua direita levava a um banheiro. Uma grande janela a frente dele mostrava a rua com os carros passando lá embaixo e as nuvens tingidas de rosa pelo crepúsculo no céu. Depois de uns dois minutos, ela quebrou o silêncio.



–Zito está morto... o senhor o matou. – ela falou aquelas palavras pausadamente, como se duvidasse da sanidade do homem a sua frente.



–Eu sei que parece loucura, mas você precisa acreditar em mim – falou Carl, as palavras jorrando de sua boca antes que pudesse conte-las. – ele ligou para mim... três vezes já... ele quer matar você... hoje! Na primeira oportunidade!



–Ele quer me matar...espere ai... ele está morto! Eu vi o corpo! Eu vi o sangue!



–Eu sei... eu também não entendo... mas você precisa acreditar em mim!



Scarlett olhava para ele com os olhos arregalados. Uma expressão de dúvida e incredulidade no rosto. Por fim, decidiu-se.



–Pois bem... o senhor queria me avisar... então... estou avisada!



–Por favor, compreenda...



–Se o senhor não se importasse, eu gostaria que o senhor se retirasse agora. Eu tenho uma longa noite pela frente e acredito que o senhor também.



–Espere...você precisa acreditar em mim... – Carl balbuciou, mas ela já fora até a porta e a abrira para ele.



–Muito obrigado realmente por ter salvado a minha vida ontem, sargento. Mas eu realmente acho que estou segura agora. Boa Noite.



Palavras desconexas ainda eram mastigadas na boca de Carl, mas ele percebera que aquele era o ponto final. Ela não era das mais maleáveis. Ele se dirigiu a porta e antes mesmo que se voltasse para dizer um “boa noite”, a porta já se fechava atrás dele.







***



–Alguma idéia nova, Exorcista? – perguntou Amélia cinco minutos depois quando estavam rodando na viatura novamente. Carl ignorou a alfinetada.



–Não iremos sair das redondezas essa noite. Qualquer problema ou coisa estranha que apareça vamos parar para investigar.



–Ótimo – falou ela com fingida animação – pelo menos podemos ir até o Screws, é a três quadras daqui. E eu estou bem precisando de umas rosquinhas.



Carl continuou em silêncio pelo curto trajeto até o Screws. Parou no estacionamento, na vaga de costume e Amélia desceu para pegar seu suprimento diário de rosquinhas. Deixando Carl sozinho com seus pensamentos. Literalmente. Ele fechou os olhos. Uma dor palpitante crescendo em sua cabeça.



O que poderia estar acontecendo? O que era aquilo? Sabia que era uma loucura, entretanto...



Nunca acreditara muito em vida após a morte. Nunca fora religioso. Nunca tivera tempo para aquilo. Não acreditava em forças sobrenaturais ou coisas do tipo. Não até aquele momento.



Seria Zito, um humano? Não seria ele algo mais? Ou será que sua alma apenas ficara presa em algum plano intermediário sem poder ir ou voltar? Ou será que a comunicação entre vivos e mortos fosse bem mais fácil do que até agora foi provado?



E se a alma dele está em outro plano... como ele seria capaz de causar mal a Scarllet?



Ele abriu os olhos e respirou fundo. Viu que Amélia havia deixado o seu celular encima do porta-luvas. Pegou-o quase sem querer e o abriu. A tela se iluminou por alguns segundos e Carl passou os dedos rápidos pelos botões indo até as chamadas recebidas... mas já sabia o que encontraria.



Lá estava, como uma maldição constante.



Número Não Identificado.



Carl fechou o celular com um pouco de raiva. E deixou-o onde colocara. Cinco segundos depois Amélia sentava-se ao seu lado no banco. O pacote pardo de rosquinhas ençucaradas bem fechado em sua mão.



–Mais calmo? – ela perguntou.



–Não – respondeu ele mal-humorado. Enquanto dava a partida e o carro voltava para o trânsito. Quase inconscientemente, ele voltava aos pouquinhos em direção da rua de Scarlett. Amélia fingiu não notar.



O rádio da viatura estava chiando com seu ruído tradicional, com um pouco de estática. Os dois já estavam acostumados com aquele ruído em suas longas noites pelas ruas de Los Angeles. Por isso, ambos ficaram atentos quando o som foi rapidamente interrompido como alguém que é retirado de dentro da água rápido demais. Uma voz feminina saía do rádio.



–Atenção viaturas no perímetro North Spring. Corpo de garota aparentando ter entre 20 a 30 anos foi encontrado em sua residência na rua Charlie Sheen 38; Verificar informação, por favor!



Carl sentiu uma bola no estômago. Até os dedos de Amélia congelaram dentro do pacote de rosquinhas. Carl pegou o rádio e disse num fôlego só.



–Entendido, Viatura 3215 a caminho.



E com um giro fenomenal no volante. Dobrou a esquina e desceu a rua quase voando. Amélia teve que se segurar mais uma vez, tal a velocidade com corria pela rua agora. O coração de ambos disparava. O pensamento de Carl estava a mil!



“Não podia ser! Não podia! Não estivera fora nem quinze minutos!”



Ele parou a viatura de qualquer jeito na frente da pensão que acabara de deixar e saiu do carro correndo as pressas. Entrou na recepção e subiu correndo a escadas sem parar para notar que a velha Perlla não estava em seu lugar. Passou voando pelo corredor que havia acabado de deixar. A porta do quarto dela estava aberta. Ele entrou no quarto correndo. Havia algumas colegas de pensão ali que choravam profusamente e a velha Perlla que olhava atônita para o chão e voltou os olhos confusos quando viu que o policial voltara. O próprio Carl quase chorou quando viu.



Scarlett que até vinte minutos atrás estava conversando com ele estava agora estirada no chão de seu pequeno apartamento. Seu cabelo ruivo se confundia com o sangue que empapava o chão. Ainda estava usando aquele robe cor de rosa, a leve curvatura do seio a mostra.



–Ó Meu Deus!



Carl não notara que Amélia havia acabado de chegar atrás dele. Olhou para ela, mas ela não olhava para ele, apontava para algo em Scarlett. Logo ele percebeu para o que ela apontava.



Havia um longo corte na garganta da moça. Um corte que ia de ponta a ponta de seu pescoço.












CONTINUA
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Mr. Corleone
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3-O FIM


O telefone marrom refletia os reflexos de luz que entravam pela janela aberta. Pela mesa estavam espalhados vários objetos diversos; algumas canetas, formulários, pedaços de papel. Um mapa da cidade com alguns pontos marcados por tachinhas estava colado com fita adesiva na parede ao lado. O retrato de uma mulher e de um homem sorridente estavam sobre a mesa, um pequeno garoto entre eles, não mais que uns quatro anos acenava para o fotógrafo. Mas essa não era a única fotografia naquele ambiente. Outra havia se juntado a ela, muito recentemente. Não em um retrato. Não em uma posição privilegiada. Apenas presa a um maço de documentos com um clipes tosco e enferrujado. Esta revelava uma garota, pele moreno-jambo, cabelos escuros e escorridos. Não devia ter mais de vinte e cinco anos e olhava diretamente para a lente da câmera, dando a impressão para quem estivesse olhando a foto de que estava sendo observado.



Carl Black havia folheado a ficha de Scarlett várias vezes nas últimas três horas. Se algo pudesse ser dito em favor da polícia de Los Angeles, sem dúvida era a sua rapidez. Em poucas horas, eles haviam rastreado e conseguido praticamente todas as informações sobre aquela garota. Não que elas fossem muitas. Para a surpresa de Carl, aquele de fato era o nome verdadeiro da moça, Scarlett Galahan. Órfã desde os treze anos, foi encontrada vagando pelas ruas pelo Conselho Tutelar. Aos quinze fugira do abrigo e voltara para a rua. O resto era fácil imaginar. Encontrara Zito por aí, e o homem a fez trabalhar para ela em troca de proteção e comida. Quando se tornou maior de idade, porém, a dívida com Zito já estava alta demais para tentar mudar de vida. Por mais que ela tentasse se livrar, ele sempre arranjava um jeito de trazê-la de volta.



O policial levantou a mão e a passou pelos olhos. Estava exausto, estressado, destruído. Estava acordado a quase 30 horas. Ficou por alguns momentos lá, sentado de olhos fechados. Segundo a segundo tentando resistir ao cansaço e se impedindo de ceder ao sono. Amélia estava sentada à sua frente, estranhamente quieta. Havia aberto a boca para falar umas três vezes na última meia hora, mas desistira no último momento. Por fim, decidira-se.



–Vá para casa, Carl! Descanse... você não está mais em condições de continuar!



Carl respirou fundo e abriu os olhos. Sentiu uma tontura momentânea mas logo sua consciência se estabilizou. Firmou os olhos na mulher a sua frente.



–Está tudo bem... eu... eu preciso terminar esse assunto.



–Carl... não há mais... você não entende... – Amélia também respirou fundo – Já está terminado.



–NÃO! – falou Carl, um pouco alto demais. Depois, arrependido, baixou o tom de voz. – Não... não está terminado... eu preciso saber como... como ele conseguiu...



Houve outro silêncio tenso entre eles durante alguns minutos. Então Amélia começou a falar naquele tom de voz sensato que usava quando queria mostrar para Black que dois e dois são quatro.



–Carl... você...você leu o resultado da autópsia que Bruce mandou hoje pela manhã?



Black fez uma careta de descontentamento ao se lembrar do documento. O primo de Amélia fizera questão de enfatizar como o corte na garganta da moça era reto e perfeito como se tivesse sido feito por um único golpe de destreza incomensurável. Um ninja seria tão perfeito quanto. Carl não pode evitar o desgosto que sentira ao ler aquilo. Bruce agia como se estivesse falando de uma borboleta rara que fora encontrada.



Amélia entendeu a careta de Carl como uma resposta positiva. Prosseguiu.



–Bruce disse que foi encontrado no sangue dela várias substâncias anômalas, muitas delas tóxicas.



–O que... Aonde você está querendo chegar?



–Bom, é simplesmente inegável que Scarlett usou drogas em algum momento das últimas vinte e quatro horas antes de sua morte. Ela estaria alterada e... fora de si.



Ele ficou olhando para a parceira durante alguns segundos, por fim compreendeu aonde ela quis chegar.



–Você está me dizendo que... logo após que eu saí do quarto dela, Scarlett simplesmente... se matou?!



–B-bom – Amélia gaguejou – Suicídio seria viável se...



–Sei! – falou Carl se levantando e começando a caminhar pela sala. O ceticismo da parceira já estava o exasperando. – e a faca com que ela se matou simplesmente ganhou pernas e fugiu?!!



–Eu... eu sei... – Amélia respondeu – eu só quis dizer que ela podia estar alterada, então...



–Scarlett era destra! – falou Carl apontando para o relatório em cima da mesa. – o corte foi dado da direita para a esquerda! Ela não conseguiria fazer um corte assim com tamanha perfeição!



–Carl... me desculpe... eu...



–Porque ela se mataria? Isso não faz sentido algum! Não sei se você está lembrada, mas ela ficara definitivamente feliz por termos salvado a vida dela!



–OK! – Amélia também gritou para se fazer ouvida – Eu sei! Eu só estou tentando encontrar uma explicação lógica para tudo isso, ok?!



–Ah! – Carl soltou uma expressão de sarcasmo. – e a sua lógica é que aquela garota era uma suicida em potencial e que eu estou louco e ensandecido?



A frieza daquelas palavras se chocou contra Amélia mais forte do que o próprio Carl imaginava. Ela ficou olhando para ele lívida durante alguns segundos.



–Não... não foi isso que eu... não foi isso que eu quis dizer... Carl....



Trrriiiimm.



O telefone na mesa de Carl tocou. Eles continuaram se encarando, alheios ao chamado.



Trrriiiimm.



–Me perdoe... – Amélia falou – eu só... não sei o que pensar....



Trrriiiimm.



Carl olhava para ela. Não adiantava descontar nela, no fim ambos estavam carregando a mesmo peso de estresse e cansaço.



–E eu sei? – respondeu, com um sorriso tentando parecer simpático.



Trrriiiimm.



Amélia deu um meio sorriso e então olhou para o telefone.



Trrriiiimm.



–Não vai atender?



Os olhos de Carl voltaram-se para o aparelho na sua mesa. Com certeza nada mais poderia ser pior do que já havia acontecido.



Trrrrii...



–Alô?!



Por metade de um segundo uma pedra foi se criando na garganta do policial enquanto ele escutava o silêncio do outro lado da linha. E então...



–Alô? Carl?



Uma onda de alívio triturou a pedra de sua garganta. Ele conhecia aquela voz.



–Mariah? Aconteceu alguma coisa?



Mariah, a secretária pequena e franzina do Comissário Johnson tinha uma voz afinada e anasalada que poderia ser reconhecida por telefone, gravação ou rádio por qualquer policial da 5ª Delegacia da Polícia de Los Angeles.



–Bom... – Carl ouviu a voz de Mariah hesitar do outro lado da linha, como se ela estivesse estudando as melhores palavras para dizer – o Comissário Johnsson quer ver você. Você e Amélia, na realidade. Na sala dele. Agora.



–Algo muito grave? – pensou Carl, rezando para que suas preces não se confirmassem.



–Bom. Ele não disse, mas... – Mariah hesitou novamente – a cara dele não era nem um pouco feliz.



“Aai”, nos seus pensamentos Carl gemeu. Mais notícias ruins era demais para que ele pudesse agüentar. Imaginou quando que aquele pesadelo iria acabar.



–Ok... diga ao Comissário que estamos subindo em...cinco minutos.



Carl desligou o telefone e voltou a encarar Amélia que olhava para ele com os olhos confusos.



–Johnson quer falar com a gente – explicou.



–O comissário? – ela estranhou. – Por quê?



–Mariah também não sabe, mas tenho a impressão de que não deve ser nada bom.



Os dois se levantaram se dirigiram a porta da pequena salinha. Já tinham passado por ela quando o telefone voltara a tocar.



Trrriiiimm.



Carl se adiantou.



–Mariah deve ter descoberto algo. Espera um pouco.



Ele se voltou para a sua mesa.



Trrriiiimm.



Pegou o telefone do gancho e o colocou no bocal.



–Alô?



–...



–Alô? Mariah?



–Sargento...



Ele paralisou. Era uma voz de mulher. Mas sem dúvida, não era a voz que ele esperava ouvir.



–Sargento... sou eu! Scarlett!



–...Scarlett?



–Por favor!!! Me ajude!!! Me tire daqui... Aaaaaaaaaaaaaaaahhhhhh....



O grito dela foi arrepiante, como alguém que estivesse sendo torturada. Carl ficou completamente desorientada.



–O quê? Mas como... Scarlett??? Onde você está???



–... ah... ah.. eu não sei – a garota arfava soluçante. Era óbvio que estava chorando. – é tudo tão escuro!!! Ahhh... ele está aqui!!! Ele está aqui!!! Aaaaaaaahhhh!!!!



–Quem esta aí?! Zito?!



–Ele... ele – a voz da garota estava cada vez mais fraquinha, como se ela estivesse perdendo a consciência – ele não vai me deixar em paz... nunca mais... – o som de choro podia ser ouvido do outro lado da linha por alguns segundos até que...



–Tuu... Tuu...Tuu..



Carl deixou cair o telefone. O suor frio brilhando em sua testa.











***







O comissário Johnsson era um homem sisudo, sério e competente. Era conhecido justamente por jamais brincar em serviço. Seus mais de quarenta anos na área policial haviam sido suficientes para que ele tomasse consciência de que aquilo não era brincadeira, havia muitas coisas em jogo, as vezes até mesmo vidas.



Sua sala ficava no segundo andar da Delegacia de Polícia. Era uma sala bem iluminada por uma grandiosa janela de vidro duplo. Havia um gigantesco arquivo encostado a uma parede e uma lustrosa mesa de mogno muito bem organizada no centro. Atrás da mesa, pregado na parede, muito acima do mural onde eram fixados os criminosos mais procurados da cidade, estava uma velha cruz de madeira que, dizia o Comissário, estava na sua família a mais de sete gerações.



Quando Carl e Amélia entraram, o Comissário estava atrás de sua mesa lendo com desânimo um memorando. Amélia observou seu rosto cansado por trás dos óculos de lentes grandes e grossas. O comissário tinha os cabelos muito brancos, como se ele estivesse eternamente coberto de neve. Ele ergueu os olhos quando os dois entraram e indicou as cadeiras à sua frente.



–Black, Warrington... Sentem-se...



Os dois se sentaram, Amélia olhava para ele ansiosa. Carl parecia estar muito longe daqui.



–Imagino que vocês dois saibam por que estão aqui?



–É sobre o caso da prostituta? – perguntou Amélia



–Exato – falou o Comissário – Não é algo muito agradável, mas... o Tribunal Superior acabou de mandar uma notificação sobre o caso.



–Notificação? Qual notificação? – pergunto Amélia novamente. Carl parecia completamente absorto. O Comissário voltou-se para ele.



–Black! – Carl ergueu os olhos lentamente – Eu vou... Eu vou ter que suspender você de suas funções... temporariamente!



Levou alguns segundos para a informação viajar até o sistema nervoso de Carl.



–O... o que?



O Comissário suspirou e olhou para ele tristemente.



–Olhe, você precisa entender que confiamos em você... e que tudo que pudermos fazer para resolvermos o seu caso será feito...



–Como assim... Resolver o meu caso?



Johnsson olhou para ele admirado.



–Você realmente não faz idéia do que estou falando?



Carl se sentiu mais perdido ainda. Estava cada vez mais confuso, ficou olhando para o homem a sua frente, o queixo levemente pendido. Sentia-se extremamente tolo. Queria poder dizer algo, mas a sua cabeça estava tão cansada com os acontecimentos do último dia que ele mal conseguia raciocinar direito.



O Comissário mexeu em alguns papéis na sua mesa. E lançou um deles para Carl. Era um texto escrito com uma foto anexa a frente. Era uma senhora de idade que para ele era vagamente familiar.



–Esta é Perlla Gonzalez Thomas, 78 anos, mexicana. Provavelmente veio ilegalmente para cá, mas ganhou o greencard por ter se casado com um americano, Bill Thomas. O marido morreu já faz alguns anos... vítima de um acidente de carro. Desde então ela continuou seguindo com o negócio que eles tinham... uma velha pensão na rua Charlie Sheen. Ela era a senhoria da garota, Scarlett. E ela informou no depoimento dela que o Sargento Carl Black fora a última pessoa a ser vista entrando e saindo do quarto antes do corpo da garota ter sido encontrado morto.



Levou alguns segundos para Carl perceber aonde eles haviam chegado.



–O que? Eles acham que fui eu que... matei a garota?



–Por enquanto... você é o único suspeito...



–Eu não matei ninguém! – exaltou-se Carl. O Comissário ergueu a voz.



–Eu sei, Carl, eu sei! Eu lhe conheço muito bem... e conheci seu pai muito bem... Sei que você jamais seria capaz de uma atrocidade destas... Mas eles não lhe conhecem... e uma ordem superiora... é uma ordem. Eu vou... afasta-lo do caso e dispensa-lo de suas funções.



Carl e Amélia olhavam para o Comissário... os dois embasbacados sem saber o que dizer.



–Não se preocupe com o seu emprego, nós vamos garanti-lo. Vamos lhe dar um atestado de licença para saúde psicológica para poder ficar de fora por alguns dias sem ser descontado do salário. Ninguém que tenha visto-o ultimamente vai negar que está precisando. A morte daquele criminoso e agora a dessa garota... obviamente deixaram seus nervos em frangalhos.



Carl continuavam sem saber o que falar. Amélia tomou a palavra.



–Comissário... o senhor acha que podem incriminar Carl?



O Comissário Johnsson suspirou.



–Não há provas definitivas contra ele, apenas o fato de que ele foi visto entrando e saindo... em compensação, ele não tem nenhum álibi. De qualquer forma, recomendo a você arranjar um ótimo advogado, Carl. Quanto a você Warrington... desempenhará suas funções com Foster. Apenas enquanto Black estiver de... licença.



As palavras do Comissário iam ficando cada vez mais fracas enquanto a mente de Black mergulhava numa prisão apenas dela.



Era um pesadelo... só podia ser!







***







A garrafa já quase vazia pendia no chão do lado do sofá. Ela havia caído ali logo após Carl pegar no sono. Dormira ali mesmo no sofá, o álcool no sangue impedira-o de ir até o próprio quarto. Havia chegado em casa à algumas horas, mal tinha chegado em casa procurara algo em seu refrigerador que pudesse afogar o seu próprio desespero. Em poucos dias Carl perdera muito mais do que ganhara. Havia perdido a confiança de sua parceira, o seu emprego, e, talvez até mesmo, a sua sanidade.



Já não sabia mais se aqueles telefonemas existiram mesmo ou foram frutos da sua imaginação. Já não fazia diferença. A vida de Carl sem dúvida havia se virado contra ele e ele não consiguia confiar nem mesmo em seus próprios pensamentos.



O relógio na mesinha ao lado do sofá mostrava 23:51. Ele ressonava no próprio sofá. Usava ainda a farda amarrotada, que não tivera sequer coragem de tirar quando chegara em casa.



Trriiiimm



O telefone. Carl abriu levemente os olhos.



Trriiiimm



Ele tonteou alguns momentos, ainda sob o efeito da bebida. Começava a olhar em volta, perguntando-se onde estava.



Trriiiimm



Ao terceiro toque ele percebeu o que havia acordado-o. O telefone. Sempre o maldito telefone.



Trriiiimm



Com um movimento rápido, Carl se virara para pegar o telefone. Puxando-o com força quase arrancando o fio e gritou no bocal.



–OLHE AQUI SEU FILHO DE UMA VAC...



–Alô?....



Carl parou por um momento. Não era a voz que esperava que fosse.



–Ahn... alô... Carl? É você?



Ele fechou os olhos, e tentou organizar os pensamentos. Conhecia aquela voz, mas algo na sua mente tentava impedi-lo de lembrar.



–Ahh.. Quem está falando?



–Carl... Sou eu! Gabriel... do Setor de Inteligência... ahn.. aconteceu alguma coisa?



Aos poucos o policial foi se lembrando. Gabriel, claro... havia falado com ele ainda ontem.



–Ah... Desculpe-me Gabriel.. eu.. não, não aconteceu nada. Estava dormindo, apenas isso.



–Uhm.. sei... – falou Gabriel hesitante. Ele não estava de todo confiante que o amigo e colega estava sendo sincero, aquela tarde circulara um memorando afirmando que Black havia pedido licença pois ficara bastante abalado com alguns acontecimentos de serviço – Bom... eu to ligando porque, ontem você me pediu para rastrear um número que estava bloqueado.



Carl Black abriu os olhos e se sentou reto no sofá. Por incrível que pareça, de repente, se sentira completamente sóbrio.



–Você conseguiu?



–Bom... consegui... embora, não possa ignorar... tem várias coisas estranhas...



“Com certeza, tem” pensara Carl, mas não falara nada. Apenas ouvira com atenção cada palavra de Gabriel.



–O número que ligou para você, vem de um telefone público... uma cabine. Bom, aí comecei a estranhar porque não tem como um civil bloquear a identificação de um telefone público... aí resolvi investigar... e bom, ficou cada vez mais confuso...



–Continue – falou Black.



–O telefone público em questão foi destruído por vândalos e está fora de operação a no mínimo oito meses.



–Onde é essa cabine? Que rua?



Houve um silêncio na linha. Carl percebera que o amigo hesitava.



–Essa cabine telefônica... ela fica na Rua North Spring. Na frente do beco onde você matou aquele homem, dois dias atrás.



Carl parou. A compreensão tomando conta dele ao mesmo tempo que as lembranças preenchiam a sua visão.



A visão de um corpo ensangüentado, e uma cabine telefônica apedrejada do outro lado da rua.







***







A rua North Spring estava vazia quando Carl avistou ao longe a cabine telefônica parcialmente destruída e a entrada para o Beco onde, dias antes, a vida de Zito fora arrancada. Ele avançava diretamente para o telefone, embora evitasse olhar para o beco às escuras. Estava decidido em terminar aquilo naquela noite.



Antes de entrar, Carl analisou a cabine telefônica, os vidros de todos os lados estavam trincados e quebrados. Em um deles havia vários riscos que convergiam de um ponto em comum que lembravam vivamente a marca de um tiro. O telefone dentro da cabine estava torto e o bocal pendia a centímetros do chão. Alguns fios do aparelho eram visíveis por trás do telefone.



Carl olhou para os lados. A rua estava completamente vazia, assim como o beco ao seu lado. Não havia viva alma por ali. Pelo menos, não viva.



Ele entrou na cabine e se dirigiu ao telefone. Pegou o bocal e encostou no rosto. Escutou.



Silêncio.



Mas Carl sabia o que fazer, ele não sabia como sabia. Mas sabia.



Seu coração ribombava fluindo sangue para cada centímetro de seu corpo. Ele se sentia mais acordado do que nunca mesmo sendo quase uma da manhã e de ter bebido tanto.



Segurando com firmeza o telefone quebrado junto ao rosto, ele sussurrou para o bocal.



–Eu estou aqui!



Silêncio.



E então...



Houve um som. Baixo, mas era inconfundível.



Um som de risadas.



–Muito bem, Anjo da Guarda! Eu sabia que você viria!



Carl Black sentiu o frio na espinha percorrer seu corpo e arrepiar a sua nuca. Ele teve a inconfundível sensação de que estava sendo observado. Ele olhou para o lado. Para o beco escuro e vazio. Mas ele não estava mais vazio.



O policial pode vê-los. Através do vidro trincado, do outro lado da rua, Carl viu Zito e Scarlett, Eles estavam na mesma posição em que Carl os vira noites anteriores. Zito segurava Scarlett de costas com a faca apontando para a sua garganta.



O ódio dominou cada pedacinho de Carl. Ele não falou mais nada. Apenas colocou o telefone no lugar. Saiu da cabine e se encaminhou lentamente para eles.



Quando estava a cinco passos de distância pode enxergar algo que o fez parar. Boa parte da lateral da cabeça de Zito estava terrivelmente deformada como se tivesse sido triturado por alguma maquina. Apesar disso, ele sorria e segurava a garota com força para que ela não pudesse escapar. Scarlett olhava para ele com olhos suplicantes, uma cicatriz vermelha e chamativa contornava o seu pescoço.



Havia algo mais ali. O tom de suas cores destoava do escuro a sua volta. Era como se não fizessem parte do cenário. E, mesmo a alguma distancia, Carl pode sentir o frio que emanava deles.



–Largue-a... – falou Carl, simplesmente.



–Larga-la? – Zito gargalhou – Não! Ela é minha agora! Como eu disse que seria!



–Deixe ela descansar em paz, seu desgraçado.



–Descansar em paz?! Ela me mandou pra cá! Pode ter certeza absoluta... de que não vou deixa-la descansar!!! – O homem riu mais uma vez, contorcendo horrivelmente aquele rosto mutilado. – e não há absolutamente NADA que você possa fazer dessa vez, Anjo da Guarda!



–Você está certo disso? – perguntou Carl, ao mesmo tempo que puxava a sua pistola calibre 380 e apontava para Zito.



Zito olhou para a arma nas mãos do policial e riu mais ainda.



–O que você pensa que vai fazer? Vai me MATAR?



Carl olhou para ele, calmo e frio.



–Não... eu vou fazer o que fui treinado para fazer.



Ele ergueu a arma, e atirou.







***







As viaturas policiais enchiam a Rua North Spring, os dois carros da perícia haviam estacionado atrás da viatura de Foster e Warrington. Os policiais iam e vinha pelo beco que agora estava bem iluminado pelas luzes das sirenes e dos fotógrafos da perícia que usavam flashes estonteantes. O corpo caído no chão era fotografado e analisado enquanto os policiais tentavam não pisar no sangue rubro-tinto que escorria pelo chão.



Amélia Warrington estava encostada na sua viatura, olhando para o chão. Um pouco afastado de onde os outros homens faziam os procedimentos de praxe. Ela chorava profusamente, tão mergulhada em sua própria angústia que nem percebera quando o Comissário Johnsson chegou ao seu lado na viatura.



–Amélia... eu realmente sinto muito... eu sei que ele sempre foi um valoroso amigo



–Ele era muito mais que um amigo! – falou Amélia, seu pranto atrapalhando a formação das palavras. Mas elas não precisavam ser ditas, o Comissário entendera tudo.



–A notícia de hoje a tarde deve ter o desorientado. Eu nunca que imaginei que...



–Ele já andava confuso a alguns dias... mas nunca pensei que... que chegasse ao ponto de...



O Comissário abraçou a sua policial e deu-lhe alguns tapinhas nas costas. Enfim, falou:



–Você precisa sair daqui, aqui não é um lugar para você.



Amélia tentou falar, mas já não conseguia mais pronunciar as palavras. O Comissário entendeu como um sim.



–Certo, eu vou pedir para Foster levar você de volta a delegacia. De lá, poderá ir pra casa se quiser... está dispensada pelo resto do turno...



O Comissário esperou ainda, mas ela não falou mais nada. Então, se retirou devagarinho. Amélia ficou sozinha, perdida em suas lagrimas, até que algo lentamente foi trazendo-a de volta.



Trriiiimm.



...



Trriiiimm.



...



Trriiiimm.



Ela não havia percebido que era o seu celular que tocava até a terceira chamada. Pegando o seu celular de dentro do bolso e tentando controlar sua garganta, atendeu quase automaticamente.



–A-alô?



–Amélia?



Ela parou. Estava preparada para tudo, menos para aquilo.



–Amélia, você está me ouvindo?



–C-como...?



–Escute... Está tudo bem agora! Eu salvei a Scarlett. Eu estou aqui agora. Ele não vai mais incomodá-la!



–Eu... eu não entendo...



–Eu também não – ele falou, mas dessa vez sua voz estava calma e tranqüila, e emanava paz – Tem muitas coisas que eu não entendo. Mas você precisa saber que agora eu estou bem. Eu vou ter que desligar. Adeus Amélia, você sempre foi e será muito importante pra mim.



Tuu... Tuu... Tuu



Amélia estava paralisada, ouvia o som da ligação que fora cortada mas seu cérebro não o registrava. Lentamente, ela se virou para o beco e olhou para o corpo do policial caído no chão.



Carl Black havia feito um juramento. Um juramento de Servir e Proteger. E ele iria honrar este juramento eternamente. Na vida... ou na morte!















FIM
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"Vou fazer uma oferta que você não irá recusar"
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